Notícias

Brasil repassa tecnologia contra a AIDS

07/07/2003 -

países em desenvolvimento receberão tecnologia

A partir de agosto, o Brasil inicia o fornecimento regular de medicamentos anti-retrovirais a dez países que foram selecionados para os projetos piloto de tratamento dos portadores de HIV e Aids. Os coquetéis anti-aids, fornecidos pelo governo brasileiro e que serão oferecidos a cem pacientes de cada país, durante um ano, foram avaliados em US$ 1 milhão.

Os governos de El Salvador, Guiana, República Dominicana, Colômbia e Paraguai, nas Américas; e Namíbia, Burundi, Quênia, Burkina Faso e Moçambique, na África, se incumbirão em dar continuidade ao tratamento dos pacientes, após a colaboração brasileira. A viagem que o presidente Luiz Inácio da Silva fará à África, no início de agosto, será aproveitada para o início dos tratamentos que serão ministrados em Moçambique e Namíbia, dois dos países que deverá visitar naquele continente.

Crianças da creche Nyumbani, em Nairobi, capital do Quênia, no entanto, já iniciaram o tratamento há algum tempo. Desde 2001, 70 órfãos portadores de HIV recebem do Brasil frascos de Zidovudina oral, para compor o coquetel que é ministrado a elas, com ajuda da solidariedade internacional. A doação teve início naquele ano, após um apelo desesperado do padre D`Agostini, um italiano responsável pelo amparo às crianças. As doações brasileiras, em torno de 2.200 frascos desse componente do coquetel, foram feitas diretamente do Laboratório Estatal de Pernambuco (Lafepe), mas de forma inconstante.

A partir de agosto, no entanto, o fornecimento passará a ser regular, pois a creche Nyumbani foi a instituição selecionada pelo governo brasileiro no Quênia para fazer parte do Programa de Cooperação Internacional para Ações de Controle e Prevenção de HIV-Aids para Países em Desenvolvimento, lançado em julho do ano passado pelo Ministério da Saúde, durante a Conferência Internacional de Aids, realizada em Barcelona, na Espanha.

A remessa dos medicamentos foi precedida pela ida de técnicos da Coordenação Nacional de DST e Aids a esses países para ajudar na montagem dos projetos, incluindo a elaboração da lista dos pacientes que serão assistidos. A decisão do governo brasileiro de criar o programa de cooperação internacional levou em consideração o fato de que a Aids afeta, sobretudo, países menos desenvolvidos. Atualmente, mais de 90% das 40 milhões de pessoas que contraíram o vírus da doença vivem nesses países e apenas 250 mil têm acesso gratuito aos medicamentos anti-retrovirais. Desses, 115 mil são brasileiros, com os quais o Ministério da Saúde gasta anualmente em torno de R$ 500 milhões.

Dos quatorze medicamentos que compõem o coquetel anti-aids, o Brasil produz sete. "Os outros sete são protegidos por patentes ou não é interessante fabricá-los", informou que Alexandre Grangeiro, coordenador adjunto do Programa Brasileiro DST-Aids, do Ministério da Saúde. Ele explicou que a chegada de novos medicamentos no mercado nem sempre pode ser incorporada ao coquetel fornecido aos infectados por absoluta falta de condições para pagar o alto preço dos laboratórios.

A saída, portanto, é a flexibilização da quebra de patentes, que permitiria a produção ou compra de genéricos de outros países fornecedores. Tanto para o tratamento dos brasileiros soro-positivos quanto para os programas de cooperação internacional.

Essa é então a atual demanda brasileira no setor de medicamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC). O país reivindica a aplicação inconteste da Declaração de Doha, da OMC, assinada em 2000, e que exalta a prevalência da saúde diante de qualquer interesse comercial. "A declaração é auto-aplicável, nesse sentido, e não caberiam restrições", afirmou Alexandre.

No final de maio, a 56ª Assembléia Mundial de Saúde (OMS) decidiu que a discussão sobre acesso a medicamentos para enfermidades como Aids passa a ser um assunto de saúde pública. A proposta, elaborada pelo governo brasileiro, com adesão da África e países da América Latina e Ásia, passou por ferrenha oposição. Representantes dos países desenvolvidos, em especial os EUA, fizeram objeções à proposta, argumentando que o assunto era de fórum comercial e propondo, inclusive, a criação de instrumentos rígidos para a defesa da propriedade intelectual.

A nova postura da OMS poderá permitir a flexibilização do Tratado Internacional de Propriedade Intelectual (Trips) para as patentes de medicamentos necessários a manutenção da saúde pública. Em setembro próximo, em Cancun (México), será decidida a regulamentação do artigo 6º da Declaração de Doha, que prevê a comercialização de genéricos entre países em desenvolvimento, mas não deixa claro como essa comercialização deve ser feita. "O Brasil sempre defendeu o direito à flexibilização do direito de fabricação de qualquer medicamento para doenças de grande impacto na saúde pública, e defende também a transferência de tecnologia da fabricação dos genéricos e a importação desses remédios por países sem capacidade interna de produção", afirmou o coordenador.

Ele explicou que o parágrafo seis contempla aqueles países que não têm capacidade de produção, e que devem ter o direito de importá-los, por que de outra forma o princípio defendido pela Declaração de Doha não será alcançado. "A declaração não é para é garantir para quem tem capacidade de produção, mas para todos. Para quem tem condições e para quem não tem", reafirmou. Alexandre esclareceu que flexibilização da lei de patente é diferente de quebra de patente, que significa não reconhecer a propriedade industrial. "Flexibilizar é temporário, tem interesse público, e eventualmente paga-se royalties, mas permite a cópia das fórmulas de combate o monopólio - o uso exclusivo da patente", disse.

Países como os Estados Unidos, Suíça e Japão, reivindicam que a Declaração de Doha, seja aplicada somente a doenças como tuberculose, malária e aids, e em países em desenvolvimento, que deveriam fornecer uma lista de doenças para as quais poderiam ser produzidos os genéricos. O coordenador argumentou que a aceitação dessa norma restringiria muito o combate a outras doenças que são sazonais ou epidêmicas.

"No Brasil, temos a asma como uma das grandes causas de internação, e também a diabetes e os crônicos renais. Excluir qualquer uma dessas doenças, assim como as degenerativas de uma forma em geral, como todos os tipos de câncer - que são altamente lucrativas para os laboratórios – inviabilizam o tratamento de milhões de pessoas", afirmou.

Todas essas questões serão decididas na reunião da OMC, em setembro, em Cancum. Antes, porém, será realizada uma reunião preparatória no Egito, provavelmente no início de agosto, para as discussões finais. Com a proximidade dessas reuniões, os ânimos se acirram. Na última semana, diversas indústrias farmacêuticas norte-americanas solicitaram ao governo de seu país, para incluir o Brasil em uma lista que está sendo preparada para ser enviada à OMC, apontando os países que seriam proibidos de importar genéricos no futuro.

"Elas temem que possamos produzir genéricos para competir com eles, quando a nossa intenção é que a flexibilização de quebra de patentes venham nos ajudar a produzir os medicamentos para combater várias doenças, entre elas a aids, e não nos impedir de avançar nos programas de cooperação. Produzindo ou comprando genéricos, já que os preços dessas indústrias são proibitivos para as nossas realidades", garantiu.