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CIRCUNCISÃO CONTRA A AIDS

12/09/2005 - Carta Capital

É eficaz?

A eficácia, comprovada, do procedimento pode justificar a primeira indicação de cirurgia em massa da história.
Quanto mais íntimo o contato do HIV com as mucosas genitais, maior a probabilidade de infecção.
Se o vírus da Aids fosse altamente transmissível, a epidemia teria se espalhado pelos cinco continentes da forma devastadora com que se dissemina nos países africanos situados abaixo do deserto do Saara. Bactérias como o gonococo, vírus como o HPV (papilomavírus) ou fungos como a Candida albicans penetram as mucosas genitais com muito mais facilidade do que o HIV.
Tal característica explica por que mulheres casadas com homens infectados ou maridos de esposas portadoras do vírus podem permanecer HIV-negativos depois de anos de relacionamento sexual.
O HIV presente nas secreções sexuais precisa de contato íntimo e prolongado com as mucosas para invadi-las e estabelecer infecção crônica. Por esse motivo, transmite-se do homem para a mulher com mais facilidade do que no sentido inverso: a superfície representada pelas paredes vaginais e pelo colo uterino é mais extensa do que a da mucosa de revestimento da glande peniana.
No início dos anos 1980, quando eclodiu a epidemia africana de Aids, foi aventada a hipótese de que a circuncisão, ao reduzir a área de contato da glande com as secreções sexuais femininas, protegeria os homens da infecção.
Embora os dados fossem ocasionalmente contraditórios, na maioria das vezes em que se procurou avaliar a prevalência da infecção pelo HIV nos últimos 20 anos, em populações de homens circuncidados pertencentes a grupos socioeconômicos semelhantes e sujeitos a fatores de risco comparáveis aos de outros não circuncidados, os resultados mostraram que entre estes a prevalência era maior.
Esses trabalhos, no entanto, foram recebidos com reserva pela comunidade científica, por causa de um viés metodológico: foram feitos com participantes previamente circuncidados por razões religiosas. Como é possível assegurar que a circuncisão seria a única responsável pelos resultados? Será que aspectos religiosos não estariam associados a diferenças de comportamento sexual capazes de interferir?
Para esclarecer essas dúvidas, foram conduzidos quatro estudos: um no Quênia, um na África do Sul e dois em Uganda. Ao contrário dos anteriores, todos foram prospectivos, isto é, não partiram da comparação de homens circuncidados anteriormente: ao entrar no estudo a cirurgia foi realizada em metade dos participantes, sorteados ao acaso, para ser comparados com o grupo controle.
Os estudos foram abrangentes. Por exemplo, o inquérito conduzido na África do Sul a partir de agosto de 2003, pela agência francesa ANRS, envolveu mais de 3 mil homens de 18 a 24 anos.
O grupo que recebeu circuncisão foi beneficiado de forma tão clara que o estudo precisou ser interrompido, por razões éticas. Depois de 21 meses, apenas 18 homens circuncidados tinham adquirido o HIV, ante 51 do grupo controle. Houve redução de 65% na probabilidade de contrair o vírus, dado especialmente significante quando se leva em conta que a atividade sexual do grupo submetido à operação foi 18% maior.
Um dos estudos de Uganda, conduzidos por americanos, obteve resultados semelhantes. É provável que os demais cheguem às mesmas conclusões.
Dois pontos merecem consideração, antes de adotarmos a circuncisão como procedimento universal em zonas de alta prevalência da infecção.
A operação, embora simples, deve ser feita por médicos treinados. A circuncisão por motivos religiosos, geralmente realizada por pessoas que desrespeitam regras básicas de assepsia, está associada a complicações bem conhecidas.
Será que, por terem sido operados, os homens não se julgarão imunes às doenças sexualmente transmissíveis e abandonarão definitivamente o uso de técnicas de sexo seguro, correndo mais risco pessoal e expondo suas mulheres?
De qualquer forma, os resultados expostos são tão contundentes que a circuncisão em regiões de alta prevalência do HIV talvez se torne a primeira indicação de cirurgia em massa na história da medicina. (Drauzio Varella)