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EUA REAGEM À AMEAÇA DE QUEBRA DE PATENTE
08/07/2005 - Valor Econômico
Brasil estuda quebrar a patente do remédio para HIV Kaletra, dos laboratórios Abbott
As companhias americanas interessadas em proteção da propriedade intelectual estão aumentando a pressão sobre o USTR (United States Trade Representative, responsável por negociações comerciais) e o Congresso americano contra medidas tomadas pelo Brasil.
O país estuda quebrar a patente do remédio para HIV Kaletra, dos laboratórios Abbott. A ameaça de quebra de patentes no pedido de retaliação aos subsídios do algodão fez os EUA proporem, ontem, uma redução de todos os subsídios agrícolas no prazo de cinco anos.
A postura brasileira desencadeou uma onda de preocupação entre empresas farmacêuticas, de software e biotecnologia. Outras duas empresas, Merck e Gilead Sciences, continuam em negociações com o governo.
O vice-presidente da Merck para a América Latina, Grey Warner, disse ao Valor que a medida é "infeliz e desnecessária". Warner diz que o Brasil não tem altas taxas de prevalência da aids como outros países em desenvolvimento. No Brasil a taxa de prevalência (desenvolvimento da doença em portadores do HIV) é de 0,3%, semelhante à dos Estados Unidos. Não apenas em países muito pobres, mas também em grandes economias como a da África do Sul, a taxa de prevalência ultrapassa 40%.
Warner critica a postura brasileira em relação às companhias farmacêuticas como dúbia. "O Brasil quer por um lado ser tratado como uma potência econômica em fóruns internacionais, ascender ao Conselho de Segurança da ONU, e ao mesmo tempo receber o mesmo preço que cobramos pelos remédios contra aids no Haiti ou na África sub-saariana, onde não apuramos nenhum lucro na venda".
Segundo Warner, o Brasil já tem hoje o menor preço no mundo dos remédios contra o HIV, excluindo a África e Haiti. Os preços são até 90% menores do que na Europa e Estados Unidos. A Merck contesta o argumento de "crise de saúde pública" usado pelo Brasil.
A Merck diz que o custo dos remédios ao governo brasileiro é baixo se comparado aos US$ 2,5 bilhões que o país economiza anualmente evitando internações hospitalares e infecções oportunistas. Apesar do discurso duro de governos passados que negociaram a redução de preço dos remédios, Warner diz que havia até agora uma relação de colaboração, que de repente foi transformada em coerção.
"Negociar nessa situação é como ter um revólver apontado para a cabeça", diz o executivo. Warner admite que a permissão da OMC para quebra de patentes em caso de crise de saúde pública é pouco efetiva. Nos países onde há uma epidemia de aids que ameaça o tecido social e a economia, como em nações da África sub-saariana, não existe capacidade local para a produção dos remédios.
A Merck diz que continua negociando com o governo brasileiro e diz ter proposto "alternativas", sem entrar em detalhes. Um dos argumentos das americanas é que a quebra de patentes desestimula o investimento no país em pesquisa farmacêutica e outras áreas de inovação tecnológica.
A preocupação das companhias americanas só aumentou com a inclusão da quebra de patentes como possível retaliação ao não cumprimento da condenação dos subsídios dos Estados Unidos ao cultivo de algodão.
Esse pode ser um dos motivos para as declarações ousadas do presidente George Bush sobre subsídios agrícolas durante a cúpula do G-8 na Escócia. O presidente americano disse que trabalhará com a União Européia para "abolir" os subsídios agrícolas até 2010.
Os negociadores da União Européia responderam com ceticismo em relação a um prazo de apenas 5 anos para eliminar subsídios. "Espero que a Rodada de Doha atinja esse objetivo em 2010, e quero deixar clara a posição dos Estados Unidos", disse Bush.
Essa posição americana contrasta com a atitude anterior das companhias, que aumentaram ataques ao Brasil em editoriais em jornais americanos. Um editorial do jornal "The Wall Street Journal" acusou o governo brasileiro de transformar o "roubo de propriedade intelectual" em política pública.
A presidente da entidade não governamental Defenders of Property Rights, Nancie Marzulla, reconhece que há um difícil equilíbrio entre a proteção do direito dos investidores e as políticas públicas de países em desenvolvimento.
No recente acordo de livre comércio com a América Central, por exemplo, as companhias farmacêuticas conseguiram incluir uma extensão do prazo de exclusividade das companhias sobre os remédios após a expiração da patente. Analistas acreditam que a entrada em vigor do Cafta deve provocar elevação de preços de medicamentos em alguns dos países centro-americanos, com a volta da exclusividade às companhias depois da expiração das patentes.
"Claro que o dono das patentes vai querer manter a exclusividade o máximo tempo possível, e não há uma solução simples para isso. Mas o que não é possível é simplesmente tomar uma propriedade privada para resolver o problema", diz Mazulla. (Tatiana Bautzer - De Washington)