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LICENÇA COMPULSÓRIA PODERÁ SER ADOTADA

25/06/2005 - Agência Aids

Anti-retroviral Kaletra declarado de interesse publico

O comunicado enviado nesta sexta-feira, 24, ao laboratório Abbott abre prazo de 10 dias para que a empresa se manifeste sobre o atendimento da situação de interesse público. A partir do recebimento do comunicado, a Abbott deverá informar ao Ministério da Saúde se se dispõe a atender ao interesse público. O atendimento evitará a adoção do licenciamento compulsório.
Com o licenciamento, o governo poderá permitir que o laboratório Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, produza o medicamento, para uso exclusivamente público e não comercial. A medida,segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, é necessária para manter a sustentabilidade e a qualidade do Programa Nacional DST/Aids, que até o final deste ano será responsável pela garantia de vida de cerca de 170 mil brasileiros. A declaração de interesse público será instituída por meio de Portaria Ministerial, assinada nesta sexta-feira. Para adotar o licenciamento, o governo brasileiro se respalda no Acordo TRIPs (Acordo sobre Aspecto dos Direitos de Propriedade Intelectual), na Declaração de Doha, na Lei de Patentes, de 1996, e no Decreto 4.830/03.
O Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis DST/Aids, uma referência mundial no tratamento dos portadores de HIV, incorporou ao atendimento com o coquetel anti-aids cerca de 20 mil pessoas entre 2004 e 2005. Assim, o número de beneficiados, que era de 147 mil pessoas, chegará a 170 mil no final deste ano. Para atendê-las com todos os anti-retrovirais disponíveis, inclusive os de última geração, o Ministério da Saúde fez um acréscimo de 50% nos recursos destinados ao programa, que passaram de R$ 620,9 milhões, em 2004, para R$ 945 milhões, em 2005. Desse montante, R$ 257 milhões (quase um terço) serão gastos somente com aquisição do Kaletra. A projeção é que, em 2008, cerca de 215 mil pessoas necessitem do coquetel no Brasil, o que significará um orçamento de R$ 1,25 bilhão.
O Ministério da Saúde argumenta que o aumento de investimento para a sustentação do Programa Nacional HIV/Aids tem sido constante.Segundo seus dados,apenas nos últimos quatro anos, o Brasil elevou os investimentos no programa em 77%, enquanto o número de pacientes teve um acréscimo de 43%. Estima-se em 600 mil os brasileiros portadores de HIV. Muitos ainda nem sabem que estão infectados e precisarão ser atendidos nos próximos anos. Para garantir a medicação ideal a cada um dos portadores inscritos no programa, o Ministério da Saúde precisa adquirir os medicamentos disponíveis, entre eles os novos anti-retrovirais. Este ano, por exemplo, o governo brasileiro está comprando o Enfuvirtida, que pertence a uma nova classe de anti-retrovirais, com o custo de R$ 19 mil ao mês por paciente. Atualmente já são 1.200 pacientes para serem atendidos com esse medicamento.

Histórico das negociações

Em março deste ano, o ministério iniciou as negociações, para licenciamento voluntário com os laboratórios Abbott, Gilead Science Incorporation e Merck Sharp & Dohme. Os medicamentos fornecidos por esses laboratórios - Kaletra, Efavirenz (Merck) e Tenofovir (Gilead) - correspondem a 66% de todo orçamento para a compra de anti-retrovirais. As negociações com Merck e Gilead continuam em andamento. O Abbott foi o único que se posicionou contrário tanto à alternativa de licenciamento voluntário, quanto a uma redução de preço que garantisse a sustentabilidade do programa. Desde a entrada do produto no Brasil, em 2002, a demanda pelo medicamento aumentou em 246%, mas o preço foi reduzido em aproximadamente 25% - percentual considerado baixo para a média mundial, porque os custos de desenvolvimento são reduzidos expressivamente ao longo dos anos.
Dados divulgados pelo ministério da Saúde informam que atualmente o preço unitário do Kaletra é de US$ 1,17, contra US$ 1,60 em 2002 e US$ 0,72 na versão genérica. No entanto, nesse período, os custos do governo com a compra do medicamento subiram de US$ 35,2 milhões para US$ 91,6 milhões atualmente. Isso porque o número de pacientes que necessita do anti-retroviral no Brasil triplica a cada ano: passou de 3.200 pessoas, em 2002, para 23.400 pessoas em 2005.

Legislação

A iniciativa do Ministério da Saúde está respaldada nas normas nacionais e internacionais e respeita o direito das empresas privadas de obter lucro com suas invenções. O artigo 71 da Lei de Patentes brasileira (Lei 9.279/96) prevê o licenciamento compulsório no caso de interesse publico. Os decretos 3.201, de 1999, e o 4.830, de 2003, consideram de interesse público também os fatos relacionados à saúde pública. A Declaração de Doha (Catar), de 2001, permite que os países tomem medidas para proteção da saúde pública. Essas medidas, segundo a Declaração, não comprometem o Acordo TRIPs, que estabelece direitos mínimos sobre propriedade intelectual.
O Ministério da Saúde, obedecendo à legislação, poderá conceder o licenciamento para produção do Lopinavir/ritonavir apenas para consumo nacional e pagará royalties à Abbott. A medida credenciaria o Brasil a produzir o anti-retroviral, mas não impediria que a empresa mantivesse a comercialização de seus produtos no país. O Abbott tem contrato de fornecimento até 2006 com o governo brasileiro. Em 2005, a empresa deverá fornecer ao Brasil 66 milhões de cápsulas do Kaletra.

Produção Nacional

Com o licenciamento compulsório, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (laboratório Farmanguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz, fabricaria o medicamento Lopinavir/ritonavir com uma redução de quase 50% em relação ao preço atual. Em um ano, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde,Farmanguinhos estaria apto a produzir seis milhões de cápsula/mês, quantidade necessária para toda demanda nacional. O preço unitário do medicamento deverá ficar em torno US$ 0,68, o que representará uma economia de aproximadamente R$ 130 milhões/ano para o Programa Nacional. O Farmanguinhos é o maior laboratório oficial do Brasil e já produz mais de 60 medicamentos, entre eles anti-retrovirais. No ano passado o governo brasileiro investiu US$ 6 milhões na aquisição do parque industrial da GlaxoSmithKline, no Rio de Janeiro, transformado no Complexo Tecnológico de Medicamentos (CTM) de Farmanguinhos. O CTM vai produzir 10 bilhões de unidades farmacêuticas em 2007.

Ativistas comemoram atitude do Governo

Mário Schefer, integrante do grupo Pela Vidda, disse que o Brasil “finalmente está usando os dispositivos legais que existem”. “O Kaletra é o primeiro, mas é essencial que todos os anti-retrovirais sejam objetos de licença compulsória”, afirmou.
Para ele, esta atitude do Brasil abre precedente para que "outros países do mundo lancem mão dessas mesmas salva-guardas legais”. O presidente do Fórum de ONG/Aids do Estado de São Paulo, Rubens de Oliveira Duda, disse que a ação do governo é um avanço para a sociedade civil e garantirá a continuidade do acesso ao tratamento. Duda cobrou do governo uma posição em relação aos demais medicamentos que compõe o coquetel.
Para o coordenador geral da ABIA, Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Veriano Terto, a medida é importante para ampliar a autonomia do Brasil na produção dos anti-retrovirais. Em sua avaliação, deve haver uma “mobilização nacional para que a medida seja cumprida e não sofra pressão por parte dos laboratórios farmacêuticos”, comentou.

Fonte: Agência Saúde e Redação Agência de Notícias da Aids