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O TIGRE SEM DENTES ESTÁ PERDIDO
03/06/2005 - Agência Aids
Aprovação pela Câmara do projeto de lei 22/2003
A boa notícia da aprovação, pela Câmara Federal, do PL 22/2003, que deixa de reconhecer patentes de medicamentos anti-Aids no Brasil, não pode esconder o fato mais relevante: o governo federal não precisa, em curto prazo, da aprovação desta lei para decretar o licenciamento compulsório dos medicamentos patenteados, que hoje consomem cerca de 80% do orçamento do Programa Nacional de Aids.
Além da nossa mobilização em direção ao Senado Federal, onde passará a tramitar o projeto de Lei, é preciso questionar publicamente, por meio do ativismo organizado, os motivos que levam o governo Lula, o Ministério da Saúde, a não tomar imediatamente, as providências necessárias para a concessão de licenças compulsórias para os medicamentos Lopinavir/Ritonavir, Tenofovir, Efavirenz e Nelfinavir.
O embuste, pelo visto, não está só no Programa Nacional de Aids. O engajamento do Programa na aprovação do PL 22, por meio de campanha de e-mails ou a presença física nas votações, demonstra claramente a opção pelo caminho da quebra das patentes.
O tigre sem dentes parece estar perdido. Por um lado, parte do governo defende claramente uma lei que quebra definitivamente as patentes. Por outro, não é tomada a decisão política de emitir a licença compulsória, absolutamente compatível com a legislação já existente no país, com o respaldo das flexibilidades previstas no acordo TRIPS da Organização Mundial de Comércio e na Declaração de Doha, que trata do TRIPS e da saúde pública, conquistas que o Brasil protagonizou.
O decreto compulsório, devido às suas implicações, depende da palavra final Casa Civil e do próprio Presidente da República, convencimento que só mesmo um Ministro da Saúde forte seria capaz de articular.
Contornada a debilidade política, há que se recuperar, urgentemente, a total capacidade de produção dos genéricos de anti-retrovirais pelos laboratórios estatais. Infelizmente, além do baixo investimento tecnológico, os ímpetos de aparelhamento do Estado assolaram também esses laboratórios e que, por isso, precisam ser dotados não só de orçamento suficiente, mas de diversas competências e habilidades técnicas perdidas para a prática fisiológica.
Atualmente, os laboratórios públicos e privados do Brasil produzem apenas 7 dos 16 medicamentos do coquetel anti-Aids. Mas com investimento e decisão política haverá, rapidamente, capacidade local para produzir todos os medicamentos necessários. Com isso, os gastos anuais do Ministério da Saúde com anti-retrovirais, que somarão R$ 950 milhões em 2005, serão drasticamente reduzidos e a economia poderá ser aplicada em outras ações de combate à Aids ou do Sistema Único de Saúde.
Quanto ao PL 22/2003, nossas atenções devem se concentrar na tramitação no Senado e no jogo pesado da indústria farmacêutica que detém as patentes, baseado na chantagem e no assédio. Entrar em contato com cada Senador da República via e-mail e telefone, promover atos públicos nos Estados e caravanas de ativistas e ONGs ao Senado nos momentos decisivos são ações que devemos implementar. Igualmente, não podemos deixar sem resposta o argumento chantagista de que, sem patentes no Brasil, não haverá produção científica e novas descobertas, o que prejudicaria os próprios pacientes no futuro.
As vendas nos países ricos, maior mercado consumidor de anti-retrovirais, certamente garantirão o investimento em pesquisa de novos fármacos. E, por aqui, seja dito: os laboratórios já lucraram muito com a Aids. Além da nossa política de acesso universal, a mobilização dos usuários dos medicamentos, das pessoas vivendo com HIV/Aids e da ONGs, garantiram um mercado altamente rentável por muitos anos. Sem contar que muitas das pesquisas foram realizadas nas nossas universidades e serviços públicos. Hospitais brasileiros que tratam Aids já ofereceram centenas de voluntários, rede física e recursos do SUS para estudos clínicos de novas drogas.
Também é hora de explicitar que o monopólio das patentes dos medicamentos de Aids é reforçado no Brasil por meio de alianças estratégicas nem sempre éticas, que incluem a prática de alguns laboratórios de cooptar parlamentares e médicos, passando pelas parcerias aparentemente inofensivas com ativistas, ONGs e jornalistas.
Ninguém é ingênuo a ponto de esperar um ato de gratidão da indústria, de conceder licenças voluntárias, mesmo depois de tanto lucro auferido no Brasil. Por isso, não há mesmo outra saída, a não ser o licenciamento compulsório imediato e a aprovação do PL 22/2003 no Senado Federal e sua sanção pelo Presidente Lula. E sem a garra do ativismo, jamais chegaremos lá.
Mário Scheffer é membro do Grupo Pela Vidda/SP