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INIMIGO ÍNTIMO

10/04/2005 - Revista Veja

A guerra contra o hpv

A guerra contra o HPV aguarda um forte aliado: a vacina que pode evitar 90% das infecções

A última edição da revista científica inglesa Lancet Oncology traz uma boa notícia na luta contra o vírus papiloma humano, o HPV. Os resultados das pesquisas com uma vacina contra a contaminação pelo HPV são bastante animadores. Batizada por enquanto de Gardasil, sua taxa de eficácia chega a 90%. Para se ter uma idéia da importância da vacina, basta dizer que o HPV ocupa o primeiro lugar no ranking das doenças virais sexualmente transmissíveis. Suas principais vítimas são as mulheres. Sete de cada dez são infectadas ao longo da vida. Além disso, ele está relacionado à quase totalidade de casos de câncer de colo de útero – o segundo tipo de tumor maligno mais comum entre as brasileiras e o quarto que mais mata. Fabricada pelo laboratório Merck Sharp & Dohme, a vacina deve chegar ao Brasil em meados de 2006.
O trabalho publicado na Lancet Oncology foi coordenado pela bióloga brasileira Luisa Lina Villa, do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, e contou com a participação de outros dezessete centros de estudos – entre eles a Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e os departamentos de saúde da Finlândia, Noruega e Suécia. Durante três anos, os pesquisadores acompanharam quase 1.200 mulheres, de 16 a 23 anos. Elas eram saudáveis, sexualmente ativas e tinham todas hábitos de vida semelhantes, inclusive os sexuais. As participantes da pesquisa foram divididas em quatro grupos. Três foram imunizados com diferentes doses da vacina e um recebeu placebo. Ao término dos estudos, o número de mulheres contaminadas pelo HPV foi nove vezes maior no grupo do placebo do que naquele que recebeu a menor dosagem da vacina. O próximo passo agora é testar a eficácia da imunização numa quantidade maior de voluntárias e continuar acompanhando as mulheres já vacinadas para determinar o prazo de validade da vacina – atualmente estimado em quatro anos.
Há uma centena de subtipos de HPV. Quatro, no entanto, são os mais comuns e perigosos. Dois deles, o 16 e o 18, respondem por 70% dos casos de câncer de colo de útero. Já o 6 e o 11 estão associados a mais de 90% das ocorrências de verrugas genitais, lesões que podem levar a disfunções sexuais e até evoluir para um tumor maligno. É justamente contra essas versões do HPV que a vacina oferece proteção. Ela é produzida a partir de uma proteína encontrada na superfície do vírus e sintetizada em laboratório. Injetada no paciente, ela deflagra a produção pelo organismo de anticorpos específicos contra o HPV. Na presença de um vírus de verdade, o sistema imunológico inicia um contra-ataque, impedindo a entrada do microrganismo nas células. A idéia é a de que a vacina seja administrada antes do início da vida sexual, para prevenir uma possível contaminação no futuro. As pessoas sexualmente ativas só se beneficiarão da nova terapia se não estiverem infectadas.
Noventa por cento das contaminações acontecem por contato sexual com uma pessoa infectada. Os 10% restantes são transmitidos quando se compartilham com o portador do vírus roupas íntimas, sabonetes, toalhas de banho e objetos ginecológicos contaminados, entre outros. O HPV aloja-se preferencialmente nas regiões genital e anal. "O vírus infecta homens e mulheres, mas é entre elas que provoca os maiores danos", diz o ginecologista Nelson Vespa, do Hospital do Câncer, de São Paulo. Acredita-se que a vagina seja mais suscetível a microlesões durante a relação sexual, o que facilita a contaminação. Nem todas as mulheres infectadas desenvolvem problemas. Quando ocorrem, eles geralmente se manifestam na forma de lesões como verrugas, por exemplo, que podem deflagrar um tumor maligno. Mesmo quando isso não acontece, a simples existência das lesões torna as mulheres mais vulneráveis a infecção por outras doenças sexuais, inclusive a aids. Há dezoito vezes mais possibilidades de uma pessoa infectada com o HPV ser contaminada também pelo vírus HIV.
Os tratamentos disponíveis atualmente limitam-se a remover o tecido doente ou a reforçar o sistema imunológico do paciente (veja quadro). Esses métodos variam entre cauterização, cirurgia e alguns medicamentos. A cauterização consiste na queima dessa lesão, através de ácido, produtos com substâncias cáusticas (dentre os quais o mais usado é feito à base de podofilotoxina), laser ou eletrocauterização, com um aparelho elétrico que produz calor. A outra opção é retirar o tecido doente cirurgicamente. Isso pode ser feito com o uso de bisturi, laser ou um dispositivo que corta e cauteriza o tecido por meio de ondas eletromagnéticas de alta freqüência. As duas estratégias, portanto, eliminam o principal foco de infecção. A taxa de eficácia delas, no entanto, gira em torno de 50%. Os dois medicamentos utilizados são cremes à base de imiquimod e 5-FU, aplicados diretamente sobre a lesão. Eles são bastante eficazes, sobretudo no tratamento de lesões externas.
Uma vacina contra o HPV é um sonho antigo da medicina. Há pelo menos cinco delas sendo testadas em vários centros de pesquisa espalhados pelo mundo. A Gardasil, além de estar em estágio mais avançado, é a única que oferece proteção contra os quatro principais subtipos do HPV. "Usada em larga escala, essa vacina promete mudar o curso do câncer de colo de útero", diz a bióloga Luisa Villa. Enquanto ela não é aprovada, a melhor arma contra o HPV é o uso de camisinha.

Quais são as terapias disponíveis contra o vírus e o que promete a vacina

CAUTERIZAÇÃO
O que é: as lesões são destruídas com o uso de laser, ácido, bisturi elétrico ou de produtos à base de podofilotoxina, uma substância cáustica
Eficácia: 50%. Apesar da retirada do foco principal da infecção, há sempre o risco de o tecido ao redor também estar contaminado

CIRURGIA
O que é: consiste na remoção do tecido doente com bisturi ou mediante o uso de ondas eletromagnéticas de alta freqüência
Eficácia: 70%. Apesar da retirada do foco principal da infecção, há sempre o risco de o tecido ao redor também estar contaminado

MEDICAMENTOS
O que são: pomadas à base de imiquimod e 5-FU reforçam o sistema imunológico do paciente no combate ao HPV
Eficácia: 75%. Esse tratamento, no entanto, é indicado sobretudo nos casos de lesões externas

VACINA
O que é: composta por uma proteína encontrada na superfície do vírus, ela estimula a produção de anticorpos específicos contra o HPV. Assim, quando ocorrer o real ataque do vírus, os anticorpos estarão prontos para impedir a sua entrada nas células. A imunização requer três doses e seu efeito atualmente é estimado em quatro anos
Eficácia: em 90% dos casos estudados, evitou a infecção pelos dois subtipos do HPV responsáveis pela maioria das ocorrências de tumores uterinos.