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HEMOFÃLICOS ENTRAM COM AÃÃO
21/03/2005 - Revista Ãpoca
O alvo são empresas americanas devido a produtos contaminados
A Federação Brasileira de HemofÃlicos se recusa a divulgar ação judicial contra empresas que contaminaram pacientes
Os hemofÃlicos brasileiros que contraÃram Aids e hepatite C por causa de produtos médicos americanos contaminados podem ser vÃtimas pela segunda vez. Agora, o problema é uma disputa com os representantes dos portadores da doença: eles não querem que os brasileiros aceitem o convite de um escritório de advocacia americano para entrar com um processo contra as empresas. Nos Estados Unidos, centenas de hemofÃlicos já ganharam ações desse tipo contra os laboratórios, com indenizações que ultrapassam a casa dos US$ 100 mil por pessoa.
Desde 2003, uma corte americana determinou que estrangeiros contaminados também poderiam entrar com ações. E foi isso que fizeram hemofÃlicos de paÃses como Inglaterra, Itália e Japão. Mas os brasileiros acabaram ficando para trás. Tudo porque a Federação Brasileira de HemofÃlicos (FHB), que representa associações de portadores da doença em vários Estados, não divulgou a ação. ''Não iremos nos responsabilizar pelo ônus de qualquer resultado que aconteça'', afirma o advogado, presidente da FHB e também hemofÃlico Jouglas Bezerra. Diante da recusa, um grupo liderado pelo livreiro Luiz de Souza e Silva está se reunindo, por conta própria, para buscar justiça. ''Não haverá ônus algum'', diz Silva.
O escândalo dos hemoderivados contaminados começou no fim da década de 70. Estudos encomendados pela agência americana de controle de alimentos e remédios, a FDA, mostravam que existia alta incidência de enfermidades em hemofÃlicos e que ela estava relacionada ao uso de hemoderivados contaminados. Em 1984, a FDA comprovou que eles poderiam transmitir Aids e hepatite C e determinou a retirada dos produtos do mercado. Descobriu-se que as empresas coletavam sangue entre pessoas que pertenciam a grupos de risco, como presidiários, prostitutas e usuários de drogas injetáveis. Com grande estoque encalhado, as empresas passaram a vender os produtos para Brasil, Argentina, Cingapura e também para diversos paÃses europeus. ''Foi um crime contra a humanidade'', diz Silva, hemofÃlico, portador de hepatite C.
Silva ficou sabendo da ação porque um amigo falou sobre o assunto. Ele procurou informações nas associações de hemofÃlicos, mas não encontrou nada. Sozinho, descobriu o nome do escritório americano que estava defendendo os interesses dos grupos estrangeiros, procurou um advogado brasileiro e fez contato.
Silva afirma ter procurado a Federação Brasileira de HemofÃlicos para divulgar a causa. ''Mas eles não nos apoiaram'', diz. Fundou então o Núcleo de Atendimento JurÃdico aos HemofÃlicos e passou a percorrer o paÃs. Já conseguiu mais de 700 casos, sendo 350 deles com provas concretas de contaminação. Calcula-se que 6 mil brasileiros tenham sido infectados.
Para fazer parte do processo que corre na corte americana, os hemofÃlicos precisam ter atestados de que são portadores de hepatite C ou Aids e prontuários médicos, pois ali estão os nomes das empresas e os números de lotes. Devem ter sido contaminados entre 1978 e 1990. Esposas e filhos infectados também têm direito a entrar no processo.
Já a FBH conta outra história. Diz que ficou sabendo da ação através de dois escritórios estrangeiros e que, em assembléia, as associações teriam se recusado a participar. ''Não vimos transparência no processo'', diz Bezerra. ''Tememos que haja ônus financeiros judiciais para os hemofÃlicos que se aventurarem nessa empreitada. Além disso, eu não conheço esse senhor (Luiz de Souza e Silva). Ele não faz parte de nenhuma associação. Está querendo tirar proveito'', afirma. Sobre um suposto envolvimento da federação com as indústrias farmacêuticas processadas, Bezerra nega. Garante que a entidade age de forma transparente e neutra, apesar de já ter realizado eventos que contam com a participação dos laboratórios processados nos EUA.
Silva nega que vá haver custo para os hemofÃlicos. ''Se houver ganho de causa, os escritórios receberão uma porcentagem. Se perderem, o ônus ficará para esses advogados'', diz. Ele está pedindo ao Ministério da Saúde os registros de entrada desses medicamentos no Brasil. ''Deve haver notas fiscais e outros documentos que comprovam o que estamos dizendo'', diz.
O problema é tão grave no mundo todo que os produtos contaminados haviam infectado, somente nos primeiros anos da década de 90, mais de 5 mil hemofÃlicos europeus. No Reino Unido, 34% dos hemofÃlicos tiveram testes positivos de HIV. A Aids foi a principal causa de morte de hemofÃlicos que foram tratados com hemoderivados contaminados nos anos 80. HemofÃlicos como o cartunista Henfil e o sociólogo Betinho podem ter sido infectados pelo vÃrus da Aids em transfusões com sangue contaminado que veio do exterior. São doentes como eles que agora podem processar os laboratórios americanos.(