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Gov. distribuirá preservativo na escola
18/06/2003 - FOLHA DE SÃO PAULO
Projeto-piloto, será implantado ainda neste ano em quatro cidades
FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS
A Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids prepara a implantação em quatro municípios, ainda neste ano, de um projeto-piloto de distribuição de preservativos em escolas de ensino médio.
O objetivo é antecipar o trabalho preventivo, devido à iniciação sexual cada vez mais precoce dos adolescentes, segundo informou a psicóloga Denise Doneda, chefe da Unidade de Prevenção do Programa Nacional de DST/Aids.
"A vida sexual dos adolescentes está começando com 12, 13 anos", disse a psicóloga, que na noite de anteontem participou em Santos (SP) da cerimônia de abertura do 1º Congresso Santista de Aids, promovido pela prefeitura local.
Apesar disso, segundo a psicóloga, os alvos iniciais serão adolescentes com idade superior a 14 anos, preferencialmente estudantes do período noturno.
As cidades que receberão o projeto-piloto são Curitiba, São Paulo, São José do Rio Preto (SP) e Rio Branco (AC).
"São locais onde já há trabalhos [de caráter preventivo] iniciados nas escolas e onde as prefeituras manifestaram interesse", afirmou Doneda.
De acordo com dados do Censo 2000, estavam matriculados em escolas de ensino médio, nesses quatro municípios, aproximadamente 730 mil estudantes.
O projeto terá a participação do Ministério da Educação, responsável pela capacitação de professores, das prefeituras, que estão elaborando planos para operacionalizar o trabalho, e até dos grêmios estudantis.
Segundo Denise Doneda, por se tratar de algo novo e de um projeto ainda embrionário, a coordenação está discutindo com as prefeituras a maneira de efetuar a distribuição e de como sensibilizar a comunidade escolar e obter apoio das famílias dos estudantes.
"Não sabemos ainda como fazer. De que maneira reagirão os pais ao verem a filha chegando em casa com um preservativo?", indagou Doneda.
Também se busca fixar critérios para oferecer as camisinhas, de maneira a evitar o desperdício do material. Uma das hipóteses cogitadas pelo governo é instalar em algumas escolas máquinas de fornecimento de preservativos.
Segundo a psicóloga, a distribuição e a comercialização de camisinhas no país são crescentes, mas o uso ainda é insuficiente em termos de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis.
De acordo com dados de pesquisas apresentados pela psicóloga, entre 1999 e 2003, o uso de preservativo na última relação sexual saltou de 23,9% para 28,4% entre a população sexualmente ativa.
Mais preservativos
O Ministério da Saúde quer pelo menos dobrar o consumo de preservativos no país, de maneira a atingir a meta de redução de incidência da Aids de 15 para 10 casos por grupo de 100 mil habitantes.
Para isso, é necessário dobrar a demanda anual, o que implicará um consumo -entre produtos comercializados e distribuídos- de 1,2 bilhão de preservativos.
O principal meio de induzir o consumo, de acordo com Denise Doneda, é reduzir o custo. A intenção do ministério é desenvolver ações para que o preço para o consumidor caia para pelo menos R$ 0,20 por unidade.
Ontem, em uma drogaria no bairro Marapé, em Santos, o preço das embalagens com três camisinhas, de diferentes marcas, variava de R$ 1,10 a R$ 1,86 (de R$ 0,37 a R$ 0,62 a unidade).
Projeto leva a diálogo, diz psicóloga
DA REPORTAGEM LOCAL
DA AGÊNCIA FOLHA
A distribuição de camisinhas nas escolas obrigará professores e pais a "abandonar a política do avestruz" e a falar de sexo nas aulas e em casa, acredita a psicóloga Helena Lima, pesquisadora do Global Aids Program, programa de estudos sobre Aids do Centro de Controle de Doenças dos EUA.
"As escolas fogem do problema e fingem que o assunto é da família. As famílias, por sua vez, acham que é assunto da escola", diz. Para a pesquisadora, as escolas irão precisar de suporte e atualização para que a distribuição não se torne, por exemplo, mais um fator de segregação (pois permitirá a identificação dos alunos que já iniciaram a vida sexual).
O Programa de Aids de Curitiba (PR) já selecionou 14 escolas (sete estaduais e sete municipais), cujos professores têm alguma capacitação para lidar com o assunto. Serão as primeiras a colocar preservativos à disposição de alunos.
A coordenadora do programa, Mariana Thomaz, disse que a prefeitura vai "disponibilizar" e não "distribuir" de sala em sala as camisinhas para os estudantes, o que poderia constrangê-los. Caso queiram, os alunos saberão onde buscar o preservativo: no grêmio estudantil, com professores ou mesmo retirar numa máquina.
Em Rio Branco (AC), os técnicos federais deverão promover uma reunião na próxima semana.
Em São Paulo, o coordenador de DST/Aids, Fábio Mesquita, afirmou que a distribuição de camisinhas será um desdobramento de um projeto de orientação sexual e redução de danos. Maria Inês Spinelli Arantes, coordenadora do programa municipal de Aids de São José do Rio Preto, prevê "focos de resistência".
Luiz Ezildo da Silva, presidente da Associação de Pais e Amigos de Escolas Públicas da Baixada Santista, também prevê reações. "Mas não podemos ter uma visão cínica. O perigo de um adolescente contrair Aids é real", afirmou.
A presidente do conselho da associação, Maria Ferreira Tavares, lembrou que "a pílula também era sinônimo de libertinagem".