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NOVA LEI DE PATENTES NA ÍNDIA
16/03/2005 - Agência Aids
Ameaça acesso a genéricos até no Brasil
Enquanto o parlamento indiano se prepara para decidir sobre a implementação no país do acordo da Organização Mundial de Comércio que regulamenta as patentes farmacêuticas, Médicos Sem Fronteiras (MSF) apela aos tomadores de decisão na Índia para que garantam aos pacientes nos países em desenvolvimento a continuidade do acesso a medicamentos de preço acessível.
"MSF examinou as emendas propostas ao Decreto Indiano de Patentes de 1970. Acreditamos que elas restringirão drasticamente, talvez até impeçam, a produção e a oferta de terapias vitais por parte das indústrias farmacêuticas indianas para outros países em desenvolvimento", disse Ellen 't Hoen, Diretora de Políticas na Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de Médicos Sem Fronteiras.
Nos últimos anos, a Índia vem tendo um papel fundamental no fornecimento de versões genéricas a preço acessível de medicamentos usados na maioria dos países em desenvolvimento. Também vem sendo uma liderança nos debates na OMC sobre a barreira imposta pelas patentes ao acesso a medicamentos, defendendo que as regras internacionais de patente protejam a saúde pública. Mas o compromisso do país com as leis da OMC - que garantem 20 anos de proteção por patente para produtos farmacêuticos - pode estar colocando em risco esta reputação. A não ser que os políticos indianos usem seus mandatos de forma inteligente. A vida de milhões de pessoas que usam medicamentos indianos de preço acessível em todo o mundo depende das futuras decisões da Índia relacionadas à patentes de medicamentos.
Nada é mais visível do que o caso do tratamento do HIV/aids. Das 700 mil pessoas atualmente sob tratamento com antiretrovirais nos países em desenvolvimento, cerca de 50% recebem medicamentos genéricos fabricados na Índia. MSF trata hoje 25 mil pessoas com antiretrovirais em 27 países, e 70% dos pacientes usam medicamentos que foram produzidos na Índia. Antes de os medicamentos genéricos se tornarem amplamente disponíveis em 2001, tratamentos similares custavam US$10.000 (dez mil dólares) por paciente/ano 40 vezes mais que a média de preços do tratamento com antiretrovirais usado nos projetos de MSF (US$250 duzentos e cinqüenta dólares). A oferta de combinações de dose fixa de antiretrovirais de preço acessível, as chamadas pílulas 'três-em-um' produzidas na Índia, revolucionou o tratamento da aids nos países em desenvolvimento.
Mas a oferta dessas formulações de tratamento mais fáceis de usar só foi possível porque não há restrições de patente na Índia para a combinação desses medicamentos num único comprimido. Quando a Índia e outros países em desenvolvimento com capacidade de produção começarem a conceder patentes, os fabricantes de genéricos não poderão mais produzir versões genéricas de medicamentos patenteados. A maioria dos novos medicamentos estará certamente patenteada. Portanto, a fonte internacional de medicamentos de preço acessível irá secar.
No Brasil, boa parte da matéria prima usada na produção de genéricos para aids vem de fornecedores indianos que, graças à ausência de patente, podem produzir esses medicamentos livremente. Enquanto esses genéricos brasileiros custam, em média, US$ 600 por paciente/ano, os importados para aids sob patente no Brasil já representam 83 % do orçamento de medicamentos para aids e custam até 10 vezes mais que os genéricos por paciente/ano. Se a Índia aprovar as emendas como foram propostas, o Programa Brasileiro de Aids terá ainda mais dificuldades de arcar com o custo crescente dos novos medicamentos, cada vez mais protegidos por patentes no mundo, e não terá mais onde comprar nem matéria prima, nem versões genéricas, diz Michel Lotrowska, representante no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais da organização Médicos Sem Fronteiras.
É fundamental que a Índia permita, no futuro, a produção e a exportação de versões genéricas de novos medicamentos. Médicos Sem Fronteiras apela aos tomadores de decisão na Índia para que garantam que as emendas propostas ao Decreto de Patente de 1970 incorporem por completo as flexibilidades e as salvaguardas contidas no Acordo TRIPS e reflitam as conquistas da Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, que reafirmou que "o Acordo TRIPS pode e deve ser interpretado e implementado de forma a apoiar o direito dos países membros da OMC de protegerem a saúde pública e, em particular, promoverem o acesso a medicamentos para todos".
"MSF espera que a Índia continue demonstrando essa liderança internacional revelada desde a Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública", disse Ellen 't Hoen. "Qualquer emenda à nova lei de patentes do país deve proteger não apenas os cidadãos indianos, mas também as milhões de crianças, mulheres e homens que vivem nos países em desenvolvimento e que dependem de medicamentos de preço acessível para viver".