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EUA ATACAM PROGRAMAS DE COMBATE Ã AIDS

13/03/2005 - JORNAL DO BRASIL

Casa Branca rejeita tratamento de redução de danos

Uma proposta brasileira e mais de 500 mil usuários de drogas injetáveis no mundo todo são as novas vítimas do conservadorismo americano. Na 48ª sessão da Comissão de Narcóticos e Drogas das Nações Unidas, realizada de segunda à sexta-feira passada, em Viena, na Áustria, os Estados Unidos encabeçaram mais uma ''coalizão'' de três países que rejeitou a proposta feita pelo Brasil de incluir os programas de redução de danos no conceito de Saúde como um direito básico do cidadão. A aprovação, pelas regras da Comissão, exigia a unanimidade.
A redução de danos é uma estratégia pragmática para lidar com usuários de drogas injetáveis. Disponibiliza seringas descartáveis ou mesmo drogas de forma controlada. Procura manter o viciado em contato com especialistas no tratamento médico e, em especial, tem o objetivo de conter o avanço da Aids no grupo de risco, evitando o uso de agulhas infectadas.
Apesar de soar contraditório à primeira vista - já que muitas vezes é o próprio governo que provê a droga ao usuário -, o programa é um sucesso na classe científica, que demonstra com números e argumentos embasados a eficácia do tratamento. O Brasil é um dos países mais bem-sucedidos na estratégia, bem como a Grã-Bretanha, o Canadá e a Austrália. O Ministério da Saúde brasileiro, por exemplo, estima que os programas de redução de danos foram capazes de reduzir em 49% os casos de Aids em usuários de drogas injetáveis, em um espaço de quase 10 anos (entre 1993 e 2002).
Contra todas as bases científicas, editoriais de jornais como o The Washington Post e o The New York Times - que recentemente alertaram para o equívoco da política atual dos EUA com relação à questão - e mesmo contra 50 dos 53 países membros da Comissão de Narcóticos e Drogas da ONU, Washington insiste em rejeitar a política de redução de danos. Não só isso, ameaça cortar os recursos da Comissão - da qual os EUA são o maior financiador - caso a defesa da prática não seja revista.
- Os Estados Unidos rejeitam os programas de redução de danos - disse, ao JB, de Washington, a porta-voz do departamento de Estado americano Nancy Beck. - Os recursos no acompanhamento de usuários devem ser direcionados para tratamentos que tenham base científica e que sejam políticas de saúde pública responsáveis. O foco principal desses programas deve ser o de afastar os usuários das drogas. Se há limitação de recursos, a alocação deve priorizar tratamentos cientificamente comprovados e não programas de redução de danos. Os Estados Unidos se opõem radicalmente a abordagens que incluam a provisão de drogas ilegais a usuários.
A posição reflete as políticas conservadoras da Casa Branca que se preocupou, por exemplo, em retirar a palavra ''camisinha'' de todos os sites do governo federal. A mesma filosofia que aloca recursos para organizações americanas de combate à Aids que atuam fora dos EUA e pregam a abstinência e a fidelidade como remédios fundamentais na prevenção da doença.
Mesmo assim, a delegação brasileira em Viena, cuja posição foi bastante elogiada, não se abateu e saiu feliz com o resultado.
- Eu gostaria muito que o Jornal do Brasil dissesse que o resultado aqui foi muito bom - afirmou, da capital austríaca, o general Paulo Roberto Uchoa, chefe da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e da delegação brasileira em Viena. - Naturalmente, os americanos têm posições muito radicais, mas prevaleceu a grande maioria dos países favoráveis à proposta brasileira. O resultado foi muito positivo.
A delegação brasileira e uma série de Organizações Não-Governamentais (ONGs) que apóiam o tratamento de redução de danos - como a Canadian Harm Reduction Network e a Open Society, ligada ao megainvestidor George Soros - festejaram a participação de países que sempre se mantiveram distantes e fechados ao tratamento mas que agora implementam e defendem a prática.
- O debate foi excelente. Algo muito além da maioria dos países apoiou a proposta brasileira. Houve, de fato, uma mudança de direção. Países como o Irã, o Paquistão e a China, que antigamente atacavam a prática de redução de danos, agora a implementam - afirmou, de Viena, Matin Jelsma, que esteve na conferência como observador do Transnational Institute. - É incrível. A China hoje tem mil clínicas que provêm metadona (no lugar do ópio) a dependentes.
Jelsma também não deixou de comentar a posição dos EUA.
- Foi decepcionante. A questão agora é saber em que medida a Comissão de Narcóticos e Drogas poderá manter o apoio aos programas de redução de danos sob a pressão de Washington.
Para se ter uma idéia do que significa a ''pressão de Washington'', a Casa Branca literalmente ameaçou cortar os recursos do departamento para Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC, na sigla em inglês) em um encontro em 10 de novembro do ano passado entre o diretor-executivo da agência, Antonio Maria Costa, e o subsecretário de Estado para Narcóticos Internacionais e Assuntos relativos à Obrigação da Lei, Robert Charles. O corte só não seria posto em prática se Costa garantisse que o UNODC se absteria de apoiar programas de redução de danos, o que foi feito de imediato. Na ocasião, o diretor-executivo prometeu que as declarações da agência da ONU iriam evitar qualquer menção a tratamentos deste tipo.
O problema é que uma sessão especial da Assembléia Geral da ONU para a Aids em 2001 adotou uma Declaração de Comprometimento afirmando que ''os programas de redução de danos e a expansão de recursos essenciais, como seringas descartáveis, devem estar assegurados até 2005''.
- A posição americana tem motivações puramente ideológicas. Estigmatiza e marginaliza os usuários de drogas. Põe a todos em uma posição defensiva. Agora temos que gastar tempo e recursos defendendo um programa mais que consagrado - afirmou Richard Elliot, da Canadian Harm Reduction Society.