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A REDUÇÃO DA DISSEMINAÇÃO DO HIV
26/02/2005 - The New York Times
Estudo questiona eficácia da abstinência sexual
Pesquisa também detectou forte aumento do uso de preservativos
Um novo estudo em Uganda contesta a importância da abstinência como peça central da estratégia internacional do governo Bush para prevenção da Aids. O estudo foi conduzido por cientistas ugandeses em colaboração com pesquisadores das universidades americanas Colúmbia e Johns Hopkins.
Autoridades de saúde de várias partes do mundo têm apontado o sucesso de Uganda na redução da prevalência de infecções com HIV, o vírus que causa a Aids, nos últimos anos. O presidente de Uganda, Yoweri Kaguta Museveni, o governo Bush e alguns especialistas em saúde pública creditaram o declínio em grande parte a uma política conhecida como ABC, de abstinência, fidelidade ("be faithful", monogamia) e uso de preservativos ("condom").
Apesar de as campanhas educativas que promovem a abstinência e a monogamia provavelmente terem sido eficazes e contribuído para o declínio, o estudo não encontrou nenhuma evidência de que a abstinência e a monogamia explicam o declínio geral na prevalência do HIV, disse a principal autora, a dra. Maria J. Wawer, da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade de Colúmbia, em Manhattan.
As explicações parciais para o motivo da abstinência e da monogamia não terem tido um papel maior no declínio incluem fadiga entre os moradores de Rakai na resposta às mensagens educativas e a falsa expectativa da eficácia dos medicamentos anti-retrovirais, que estão lentamente se tornando disponíveis na África, disse Wawer.
Ela disse que o número de homens no estudo que tinham duas ou mais parceiras sexuais extraconjugais aumentou significativamente ao longo da última década. O uso de preservativos pelos homens com suas parceiras sexuais mais recentes também aumentou significativamente durante o mesmo período. A abstinência sexual permaneceu constante.
O estudo mostrou evidência de que o uso de preservativos aumentou, particularmente em relacionamentos não conjugais, disse Wawer, acrescentando que "preservativos são essenciais" na prevenção da Aids.
O número de mortes a cada ano entre as pessoas infectadas pelo HIV em Rakai era de cerca de 70 acima do que número de pessoas recém-infectadas.
Os pesquisadores realizaram o estudo em 44 comunidades no distrito de Rakai, em Uganda, de 1994 até 2002. Os membros da equipe bateram de porta em porta para perguntar aos moradores sobre seus históricos sexuais e para obter amostras de sangue e urina para testes. A pesquisa, realizada anualmente, incluiu 10 mil adultos, com idades entre 15 e 49 anos, a cada ano --de 85% a 90% dos convidados a participar.
Os resultados se aplicam apenas a Rakai e não podem ser extrapolados para outras áreas de Uganda por muitos motivos, disseram Wawer e um co-autor, o dr. Ronald Gray da Escola Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública e que também é seu marido, em entrevistas aos repórteres.
Um motivo é que a idade da primeira relação sexual varia em diferentes áreas de Uganda. Wawer e Gray também disseram que seus resultados, que foram obtidos no mesmo distrito ao longo do período de estudo, divergiam de três pesquisas nacionais ugandesas anteriores, que sugeriam que muitos ugandeses estavam adiando o momento de sua primeira relação sexual.
As pesquisas nacionais foram realizadas em intervalos de cinco anos e envolviam uma amostra menor e pessoas vivendo em distritos que variavam a cada pesquisa, limitando a precisão de comparações diretas.
Wawer e Gray pareceram relutantes em abordar diretamente como suas conclusões interferirão na forma como o governo Bush retrata a política ABC.
Roslyn Matthews, uma porta-voz da Agência para Desenvolvimento Internacional, a agência federal que apóia programas internacionais de prevenção e tratamento da Aids, disse que sua agência ainda não viu ou ouviu sobre o relatório e assim não podia comentar.
O dr. Chris Beyrer, que dirige o Programa Fogarty de Pesquisa e Treinamento Internacional da Escola Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública, mas que não participou do estudo, disse que os resultados ressaltam o argumento de que "os preservativos são o principal instrumento de prevenção contra o HIV".
Ele acrescentou: "Preservativos precisam estar em toda parte onde álcool e sexo são vendidos".
Mas Beyrer, Wawer e Gray disseram que no momento há escassez de preservativos em Uganda porque as autoridades encontraram defeitos em preservativos importados de um país que não quiseram identificar. O governo ugandês suspendeu a distribuição de preservativos importados daquele país e está testando todos os preservativos fabricados no exterior, incluindo os produzidos nos Estados Unidos, eles disseram, acrescentando que o preço dos preservativos está aumentando em Uganda.
Um documento publicado pela agência de desenvolvimento internacional cita a "combinação bem-sucedida de estratégias ABC por Uganda".
Como parte da abordagem ABC, declara o documento, "jovens que ainda não iniciaram sua vida sexual foram alertados a aguardar, e se um jovem já começou a praticar sexo, então ele ou ela devem retornar à abstinência. Se uma pessoa já era sexualmente ativa, ele ou ela devem adotar a prática referida localmente como 'pastagem zero' --fidelidade no casamento ou redução de parceiros fora do casamento. Para aqueles que continuam mantendo um comportamento de risco, o uso de preservativos foi incentivado para reduzir o risco".
Em outubro de 2004, o governo Bush anunciou US$ 100 milhões em novos subsídios aos programas de defesa da abstinência como parte de uma iniciativa maior, de US$ 15 bilhões, para deter a epidemia de Aids no mundo.
Ao anunciar o programa, a agência de desenvolvimento internacional citou o presidente Bush como tendo dito, em 23 de junho: "Eu acho que nosso país precisa de uma mensagem moral, prática e eficaz. Além de outros tipos de prevenção, nós precisamos dizer aos nossos filhos que a abstinência é a única forma garantida de evitar que se contraia o HIV. Ela funciona sempre".
Tradução: George El Khouri Andolfato
The New York Times