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A CRISE NA SAÚDE

24/02/2005 - Folha de São Paulo

Assessor culpa ministro Humberto Costa pela falta de remédios

O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Luiz Carlos Bueno de Lima, acusou seu superior, o ministro Humberto Costa (PT), de ignorar alerta sobre crise no abastecimento de remédios contra a Aids feito por sua área.
A falta de medicamentos, principalmente da droga AZT, fabricada em laboratórios oficiais, atingiu ao menos 30 mil pacientes e é a maior crise do modelo de fornecimento, referência no mundo.
Lima, que assumiu em maio de 2004 o cargo por indicação do PP (Partido Progressista) e a contragosto do ministro, diz que o desabastecimento poderia ser evitado.
Anteontem, o ex-coordenador de DST/Aids do ministério, Alexandre Grangeiro, disse que foi a entrada de Lima que dasarticulou os laboratórios oficiais.
Segundo o secretário, a crise ocorre porque houve interferência indevida principalmente da Secretaria de Vigilância em Saúde e da Secretaria Executiva do ministério em sua área, responsável por programar as compras. Dessa interferência, segundo diz, também participa o assessor especial do ministro Norberto Rech.
"Quem deveria trabalhar as necessidades, os quantitativos e a distribuição de medicamentos é a secretaria de Ciência, e isso não tem acontecido porque as outras áreas estão querendo desenvolver este trabalho, só que eles não tem condição técnica", afirmou Lima.
Ele diz que não vinha recebendo as programações para compras da área de DST/ Aids. E que a falta de remédios também poderá afetar portadores de tuberculose.
De acordo com o secretário, Costa foi alertado da crise por meio de uma carta, mas nada aconteceu. "O ministro sabe do problema."
Lima relata que foi recebido sozinho pelo ministro apenas uma vez, quando assumiu.
"Ele deixou claro que ia criar dificuldade", afirma o secretário, o segundo a disparar contra Costa -o anterior foi Gastão Wagner, ex-secretário executivo.
Lima disse que ao assumir o setor havia desabastecimento na área básica. Segundo ele, os laboratórios oficiais, "parceiros históricos do ministério", foram preteridos pela indústria privada na gestão de Rech na área de assistência farmacêutica de sua secretaria. "Sem programação e sem recursos, os laboratório não tinham como adquirir matéria-prima e não tinham como produzir. Atrapalhou para este ano."
O ministério já reconheceu que a falta de matéria prima é um dos motivos para a falta de AZT.
O secretário diz que no fim do ano passado chegou a acordar uma nova estratégia com os laboratórios, depois abandonada. "A partir da saída do Gastão, tudo foi interrompido. Sem recursos, os laboratórios não tinham como produzir." "O senhor Costa gosta só da cupinxada dele", disse o líder do PP na Câmara, José Janene (PR), que indicou Lima. "

OUTRO LADO

Cúpula da Saúde nega que tenha recebido alerta

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Antonio Alves, negou que pasta tenha recebido qualquer alerta da área de Ciência sobre problemas com a programação de compras.
De acordo com Alves, as críticas de Luiz Carlos Bueno de Lima "serão levadas ao conhecimento do ministro".
Ele negou que a secretaria de Ciência esteja alijada do processo de programação das compras de anti-retrovirais. De acordo com ele, a área participa encaminhando a programação à Secretaria de Vigilância.
Alves afirmou ainda ter vários processos assinados por Lima, titular da área de Ciência do ministério.
O secretário negou que os laboratórios tenham sido preteridos em algum momento da gestão do ministro Humberto Costa. "Não é verdade, pois a primeira decisão foi centrar força nos laboratórios oficiais."

"Temo que continue a faltar", diz usuário

Enquanto o Ministério da Saúde se empenha em resolver problemas administrativos -e também políticos -o radialista portador de HIV L. F., 45, espera.
Há 20 dias ele não recebe o remédio atazanavir e teve de substituir a droga por outra que já ajudou a levá-lo a um enfarte.
"Eu já passei por muitas coisas difíceis, a gente desenvolve um sangue frio à doença. Mas fico com medo de que continue a faltar", afirmou L. ontem.
Segundo o ministério, o fornecimento de atazanavir, fabricado pelo laboratório Bristol, estará regularizado nos próximos dias.
L. trata-se de graça na rede pública há 11 anos, relata, e esta foi a primeira vez que faltou um remédio. Mas era comum, afirma, o atraso na entrega das drogas, motivo freqüente de aflição para ele. Ele lembra, no entanto, que a situação já foi muito pior, quando o governo não distribuía todos os medicamentos. Antes, os pacientes recebiam apenas antibacterianos e tinham de bancar outros tratamentos com seu dinheiro.
Hoje, o radialista está com boa saúde, apesar de seqüelas de doenças oportunistas, como dificuldades para caminhar. Também chegou a ter lipodistrofia, efeito colateral das drogas que gera depósitos de gordura.
L. recentemente pesquisou o preço de compra do Atazanavir para ver se hoje teria outra saída: seria necessários R$ 1.000 para o tratamento. Sem chance.