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FALTA DE MEDICAMENTOS CONTRA AIDS
23/02/2005 - Folha de São Paulo
Especialista liga política à falta de remédios
Ex-coordenador do Ministério da Saúde relaciona desarticulação de laboratórios nacionais a nomeação feita pelo PP
O ex-coordenador de DST/Aids do Ministério da Saúde Alexandre Grangeiro diz que falta de planejamento e ingerência política também explicam a falta de medicamentos para Aids, principalmente AZT, reconhecida na semana passada pelo governo.
Pelo menos 30 mil pessoas podem ter sido afetadas só no Estado de São Paulo, que concentra a maior parte da epidemia.
Grangeiro diz que os laboratórios nacionais, produtores de oito das 15 drogas do coquetel anti-Aids, padeciam de falta de planejamento e no ano passado tiveram uma política de reestruturação interrompida porque o governo Lula decidiu trocar o comando da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos para atender a parlamentares do PP (Partido Progressista), partido do hoje presidente da Câmara Severino Cavalcanti.
Entrou Luiz Carlos Bueno de Lima, que já trabalhava no ministério e é ligado ao PP, no lugar de José Alberto Hermógenes, conhecido sanitarista. Ambos não foram encontrados ontem pela Folha.
Segundo Grangeiro, que deixou o ministério em agosto e hoje é consultor da Organização Mundial da Saúde em Genebra, também o número pequeno de fornecedores dos sais básicos das drogas explica o problema da falta.
"Nós fizemos reuniões com os laboratórios para cobrar programações atrasadas, alertar sobre falta de medicamentos. Agora, tinha melhorado com a estruturação que o Hermógenes produzia. Quando ele saiu, voltou a mesma fragilidade", afirmou Grangeiro. "Foi uma ruptura que ninguém esperava, criou muita surpresa, pois é uma área estratégica."
Segundo a Folha apurou, a indicação de Lima teria desagradado ao ministro da Saúde, Humberto Costa, que nomeou um assessor cujo trabalho se sobrepõe ao do secretário. A secretaria é responsável por organizar as compras de remédios, acompanhar os laboratórios, redirecionar pedidos se um deles não tem condições de produzir, entre outras funções.
"Os laboratórios são estatais, muitos acabam também atendendo a demandas locais. Se não houver acompanhamento, você não consegue."
Segundo Grangeiro, o consumo dos medicamentos que faltam, entre eles o AZT, vem diminuindo, em razão de drogas mais avançadas terem surgido, e alguns laboratórios até mesmo trabalhavam com capacidade ociosa.
O secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Jarbas Barbosa, disse ontem não saber a razão da falta de estoques de remédios em laboratórios oficiais. A falta de AZT, segundo a pasta, deve-se a problemas na matéria-prima do laboratório indiano Hemo, afirmou, reprovada ao chegar.
Ele também não soube dizer se o fornecedor Hemo seria punido. Afirmou que isso era decisão dos laboratórios estatais -Furp (SP), Farmanguinhos (RJ), Iquego (GO) e Lafepe (PE).
A Furp negou ter recebido encomenda do ministério. Lafepe e Farmanguinhos não se manifestaram. A reportagem não conseguiu ouvir o Iquego.
Com a importação de remédios da Argentina pela União, o fornecimento de AZT deverá estar regularizado até amanhã em SP.