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O ESTIMULANTE LEVANDO AO SEXO INSEGURO

22/02/2005 - Rev. Veja

Aumenta a incidência da doença entre gays norte-americanos

Cartaz em Nova York: campanha maciça direcionada a gays sobre os riscos do estimulante crystal e a importância do sexo seguro

As boates gays de Nova York e São Francisco, dois dos maiores centros exportadores de novidades para o mundo, ganharam um protagonista perigoso – o estimulante crystal. Trata-se de uma metanfetamina capaz de desinibir os mais recatados e levar a libido às alturas. A euforia custa pouco (10 dólares a dose) e pode durar até dezesseis horas. O resultado é a volta das orgias sem o uso de camisinha e, por tabela, o recrudescimento dos casos de contaminação por HIV entre os homossexuais. Os usuários de metanfetaminas, conforme um levantamento americano, estão duas vezes mais propensos a infectar-se com o vírus da aids. Isso porque, sob o efeito de tais drogas, as pessoas tendem a dar menos atenção ao sexo seguro. Para piorar esse quadro, na semana passada se divulgou a notícia de que uma nova cepa de HIV, altamente resistente, batizada de 3-DCR, contaminara um gay em Nova York. O paciente, cuja identidade não foi revelada, tem cerca de 40 anos, freqüenta boates e saunas e diz ter tido relações sexuais com mais de 100 parceiros nos últimos meses. Na maioria das vezes, estava sem proteção e sob os efeitos do estimulante crystal.
A velocidade com que ele desenvolveu a doença impressionou os médicos. A infecção com o vírus foi diagnosticada em dezembro, e demorou apenas sessenta dias para que o paciente manifestasse sintomas avançados de aids. Normalmente, a enfermidade leva, em média, dez anos para manifestar-se. Além disso, a cepa recém-identificada nasceu resistente a três das quatro classes de medicamentos anti-aids. O comum é que o HIV vá ganhando resistência ao longo da terapia com remédios. No dia seguinte ao anúncio do novo vírus, o San Francisco Chronicle, um dos principais jornais de São Francisco, na Califórnia, publicou que não havia motivo para pânico. Muitos médicos argumentam que, até agora, o que se sabe é que esse é um caso isolado. Ou seja, a nova cepa poderia ser uma mutação absolutamente única, nascida da combinação com um defeito genético no sistema imunológico desse paciente. Se for assim, dificilmente o vírus foi disseminado em sua forma mais agressiva e o episódio se encerra na história do nova-iorquino. Mas não está descartada a possibilidade de o paciente não apresentar nenhuma alteração no sistema de defesa de seu organismo. Nesse caso, ele teria sido infectado por alguém que já carregava essa cepa do HIV. Por enquanto, qualquer conclusão é precipitada. Está em curso uma investigação para tentar identificar os parceiros do paciente e descobrir se o 3-DCR é proveniente de um deles.
O fato é que, com ou sem supervírus, os gays estão se descuidando novamente, amparados no falso conforto proporcionado pelos tratamentos modernos. Na década passada, quando ainda não havia terapias com bons resultados, a adoção extensiva de práticas sexuais seguras entre os homossexuais ajudou a estabilizar a epidemia nesse grupo. O comportamento atual é bem diferente, sobretudo entre os mais jovens. Graças aos avanços dos remédios, a juventude de hoje, que não viveu os horrores dos primórdios da doença, está começando a vida sexual com a ilusão de que a aids é somente uma doença crônica, com a qual é possível conviver sem maiores complicações. O descaso com o sexo seguro é tamanho que, nos últimos anos, houve um aumento exponencial no número de casos entre gays de 14 a 25 anos. No Brasil, o índice praticamente dobrou.
As festas de arromba regadas a metanfetaminas só vêm agravar a situação. No Brasil, por enquanto, o aditivo mais usado é o ecstasy, um estimulante conhecido como "a pastilha do amor". Mas é lógico esperar que o crystal chegue logo por aqui. "É urgente mudar esse tipo de comportamento de risco", afirma o infectologista David Uip, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Inclusive porque ele interfere no modo como muitos doentes conduzem o tratamento anti-aids. "Há quem interrompa a medicação no fim de semana para evitar os efeitos da combinação dos remédios com essas drogas", diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Albert Einstein. Assim como acontece com os antibióticos, o consumo inadequado dos medicamentos fortalece o vírus. Um perigo para todos.

Perigo nas pistas de dança

• O consumo maciço do estimulante crystal, à base de anfetamina, tem levado a um aumento do número de casos de aids entre gays

• Cerca de 20% dos gays americanos usaram o estimulante nos últimos seis meses

• O consumo de crystal aumenta a libido de tal forma que o frenesi sexual predispõe o usuário a dispensar o uso da camisinha e a ter múltiplas relações numa mesma noite

• Um estudo feito na Califórnia mostrou que gays que usam a droga são duas vezes mais propensos a contrair o vírus HIV

• A resistência aos medicamentos anti-aids tem uma forte ligação com o uso de drogas, como o crystal. O usuário tende a interromper ou abandonar o tratamento, o que facilita o aparecimento de vírus mais resistentes