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GOVERNO IMPORTA 3 TONELADAS DE REMÉDIOS

22/02/2005 - Folha de São Paulo

Governo tenta regularizar estoques buscando na Argentina

Cerca de três toneladas de medicamentos utilizados no tratamento da Aids chegaram ontem da Argentina e vão permitir que os estoques nos Estados permaneçam com suas reservas estratégicas até o final deste mês, quando a produção da droga no Brasil deve ser normalizada.
O programa nacional de antiretrovirais, o maior e mais elogiado do mundo, teve de deixar pacientes sem um dos medicamentos, o AZT, na semana passada em razão de atraso na entrega de matéria-prima por um fabricante indiano, segundo o Ministério da Saúde. E não foi a primeira vez. Casos pontuais já tinham sido registrados no ano passado.
Chegaram ao Brasil 2 milhões de cápsulas de AZT (Zidovudina), 1 milhão de cápsulas de Lamivudina (3TC) e 800 mil cápsulas de Indinavir -ontem, foram enviadas aos Estados, a maioria deles para São Paulo. Hoje, segundo o ministério, devem chegar mais 799,2 mil cápsulas de AZT e 250 mil de Atazanavir.

Alerta

Para o brasileiro Marco Antonio Vitória, um dos principais especialistas da OMS (Organização Mundial da Saúde) na área de medicamentos contra a Aids, esse atraso na entrega de matéria-prima é um "alerta". "Só reforça nossa preocupação com o pequeno número de fornecedores. Mesmo o Brasil, que tem um programa de vanguarda, passa por problemas com um remédio que nem protegido por patente é", afirmou Vitória, de Genebra, na última sexta.
O ano de 2005 é crucial para a OMS, que tem como meta garantir o acesso a medicamentos de 3 milhões de portadores do vírus da Aids no mundo, programa batizado de "3 by 5". Se concretizado, atenderá apenas metade da demanda. Hoje 700 mil soropositivos têm acesso ao tratamento, 150 mil no Brasil.
Segundo Vitória, a principal preocupação da OMS no momento para garantir o acesso aos remédios é o pequeno número de fabricantes dos chamados sais básicos dos medicamentos, problema materializado na crise brasileira. "Vamos ter de saltar em mais de três vezes o número de pacientes atendidos e, se não tratarmos de produzir mais os sais básicos, vai faltar matéria-prima."
São apenas 13 produtores e nem todos fazem a totalidade das substâncias ativas das drogas do coquetel contra a Aids. Quando há qualquer problema, os países, se não conseguem remédios emprestados ou fazer uma reprogramação do estoque, são os doentes os penalizados.
"Crises como essa poderiam não estar acontecendo se já houvesse uma produção nacional", afirmou, também de Genebra, a brasileira Eloan Pinheiro, contratada pela OMS para realizar um estudo sobre o custo dos remédios contra a doença no mundo.
Para Pinheiro, que já dirigiu um dos principais laboratórios estatais brasileiros, o Farmanguinhos, no Rio de Janeiro, o país há muito tempo deveria ter iniciado uma política de incentivo à produção nacional dos sais, como fizeram China e Índia. "O Brasil está atrasado no tempo."
A rede de laboratórios públicos nacional faz a mistura dos sais e seu encapsulamento, mas é dependente dos poucos fornecedores no quesito matéria-prima.
Hoje, o diretor do departamento de Aids da OMS, Jim Kim, abre a conferência internacional de tratamento de Aids nos EUA. Pela primeira vez, o assunto não é técnico-científico no discurso de abertura, mas político.
Kim alertará que são necessários vontade política, perspectiva de saúde pública, engajamento da sociedade e, sobretudo, acesso a remédios para combater o mal.