Indetectável = Intransmissível?
O Balanço da evidência continua mostrando: a carga viral indetectável no sangue não significa risco zero de infecção.
Michael Carter, 18 de janeiro, 2008 aidsmap
Traduzido por Jorge Beloqui (GIV,ABIA,RNP+)
O nível de carga viral para o HIV no sangue e no sêmen estão relacionados, mas os estudos que observam a correlação entre o HIV no sangue e no sêmen produziram uma ampla variedade de resultados, segundo um artigo de revisão que analisa os resultados de 19 estudos examinando este tema publicado na edição de janeiro de 2008 do Sexually Transmitted Diseases. Os autores acharam que a associação entre a carga viral no sangue e no sêmen foi afetada por um número de fatores, onde a terapia antiretroviral eficaz fortalecia a associação e as ITSs (infecções de transmissão sexual) a enfraqueciam.
As mensagens sobre prevenção devem salientar a importância do uso de preservativos e outras estratégias de redução de risco, independentemente do fato do paciente estar tomando uma terapia anti-HIV eficaz, recomendam os pesquisadores, desde que a transmissão do HIV é possível mesmo se um paciente tem carga viral indetectável no seu sêmen.
O HIV é transmitido principalmente pelo sexo anal e vaginal desprotegidos. Desde os primeiros dias da epidemia do HIV sabe-se que o vírus está presente tanto nos fluidos do sangue e genitais. A infecção pelo HIV depende da exposição de células suscetíveis a uma quantidade infecciosa de HIV e sabe-se que as concentrações do HIV em fluidos genitais, como o sêmen, podem variar.
Os níveis de carga viral no sangue e sêmen estão relacionados mas não são iguais. Não é possível determinar quão infeccioso é um indivíduo HIV-positivo a partir de sua carga viral no sangue a menos que seja determinada a extensão da associação entre a carga viral em sangue e sêmen.
Entender a relação entre a carga viral no sangue e no sêmen é essencial para estimar o risco potencial da terapia antiretroviral na redução do risco da transmissão do HIV.
Pesquisadores da Universidade de Connecticut revisaram estudos que mediram a carga viral no sangue e no sêmen ao mesmo tempo. Eles examinaram a correlação entre a carga viral dos dois fluidos e os fatores que a afetavam.
Uma pesquisa na PubMed em Janeiro de 2007 junto com uma pesquisa de abstracts apresentados na Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI) e nas
Conferências da IAS deram 19 estudos elegíveis.
Os pesquisadores advertem que a maior parte destes estudos têm amostras de tamanho pequeno. Mais ainda, 17 tinham um desenho transversal e somente dois eram prospectivos.
As correlações entre os níveis de HIV no sangue e no sêmen nos 19 estudos variaram de 0,07 a 0,64.
Mas um estudo achou uma concordância quase perfeita (94%) entre as cargas virais no sangue e no sêmen. Os autores notam que este foi o estudo mais rigorosamente desenhado, no qual todos os homens estavam tomando TAR e nenhum tinha infecção de transmissão sexual.
Um achado consistente do estudo foi que a carga viral era inferior no sêmen do que no sangue. Na maior parte dos estudos, os homens que tinham carga viral indetectável no seu sêmen também tinham carga viral indetectável no seu sangue. Mas dois estudos identificaram indivíduos que tinham níveis de HIV no seu sêmen que eram maiores ou iguais do que no seu sangue.
Foram identificados quarto fatores que podiam influenciar potencialmente a relação entre as cargas virais em sangue e no sêmen: infecções de transmissão sexual (ITS); terapia anti-HIV e adesão; resistência aos medicamentos e o estágio da infecção pelo HIV.
Infecções como a gonorréia e chlamydia (que causam inflamação na uretra) aumentam significativamente o HIV em sêmen. Alguns estudos também sugeriram que um número maior de parceiros sexuais e taxas maiores de intercurso sexual também aumentavam a presença do HIV nos fluidos genitais.
Como as ITSs aumentam a carga viral em sêmen mas não no sangue, a correlação entre as duas cargas virais é menor. Os pesquisadores salientam, “de fato, os estudos com as correlações menores entre carga viral em sangue e carga viral em sêmen são aqueles que mais provavelmente incluíram homens com a ocorrência simultânea de ITSs.”
A maior parte dos estudos mostrou que a terapia anti-HIV suprimia a carga viral no sêmen. Mas também houve a evidência de que alguns medicamentos anti-HIV não penetravam o sangue e o sêmen com igual eficiência. Porém em condições ideais, quando os homens estavam tomando terapia antiretroviral eficaz, eram totalmente aderentes a sua terapia, e não tinham uma ITS, havia uma certeza de 95% de que menos do que 4% dos homens com carga viral indetectável no seu sangue tivessem uma carga viral detectável no seu sêmen. Porém, os investigadores notam, “estas condições ótimas são raramente encontradas for a de contextos de pesquisa.”
A adesão pobre à terapia anti-HIV esteve associada com HIV detectável em sêmen em alguns estudos, e outro estudo mostrou que os homens que omitiram a menor quantidade de doses do tratamento tinham o maior grau de supressão do HIV no sêmen ao longo do tempo.
Os homens tratados com terapia anti-HIV podem desenvolver vírus resistentes a medicamentos no seu sêmen, e há evidência de cepas do HIV resistentes a muitas medicações desenvolvidas no trato genital mas não no sangue. Os pesquisadores notam que , “existe considerável alarme sobre o espalhamento potencial do HIV resistente a muitos medicamentos a partir de homens com HIV resistente no seu sêmen que contraem uma ITS…quando o HIV está pobremente controlado, o risco de transmissão de variedades do HIV resistentes é particularmente alto.”
Houve achados conflitantes entre a relação das contagens de células CD4 e o nível de carga viral no sêmen, mas nenhum estudo encontrou que a presença de sintomas de doença pelo HIV influenciasse a associação entre carga viral no sangue e no sêmen.
Os pesquisadores notam que não há evidência de pesquisa de que alguns homens (HIV-positivos e negativos) que acreditam que uma carga viral indetectável viral significa um risco menor de transmissão tenham mais chance de realizar sexo desprotegido. Os pesquisadores estão preocupados com que isto possa levar a um aumento do número de homens que realizam sexo com risco, superando “os benefícios protetores da redução da infectividade no sêmen.”
Mais ainda, os pesquisadores notam que o sêmen que têm carga viral indetectável é ainda potencialmente infeccioso, e que as células no sêmen podem conter DNA proviral do HIV e podem agir como “veículos para a transmissão sexual do HIV.”
Eles também notam que os homens tratados com antiretrovirais com maior chance de informar sexo desprotegido são aqueles que tem mais chances de ter pior adesão à terapia antiretroviral. A não adesão ao tratamento aumenta a carga viral e o sexo desprotegido envolve o risco de uma ITS. Os pesquisadores estão preocupados com que o sexo desprotegido que ocorre no contexto de uma adesão pobre resulte na transmissão de um vírus resistente a medicamentos.
Os pesquisadores recomendam que as “mensagens de prevenção para o HIV cujo alvo são tanto as pessoas infectadas como as não infectadas devem comunicar a importância dos preservativos e outras estratégias de redução de danos independentemente do fato de estar em tratamento para o HIV e para todos os estágios da doença pelo HIV. Talvez o mais crucial, é que a prevenção para HIV em pessoas vivendo com HIV…deve incluir o monitoramento regular e o tratamento agressivo das ITSs concorrentes.”
Ref:
Kalichman SC et al. Human immunodeficiency virus load in blood plasma and semen: review and implications of empirical findings. Sexually Transmitted Diseases 35: 55 – 60, 2008.