Indetectável = Intransmissível?

Medicamentos Anti-HIV reduzem em 92% o risco de transmissão do vírus

(27 de maio de 2010, traduzido por UNAIDS)

PARIS (AFP) – Houve uma redução surpreendente de 92% no risco da transmissão do vírus da aids por pessoas com HIV quando tomavam medicamentos antirretrovirais, segundo os resultados de um estudo publicados nesta quinta-feira.

A pesquisa traz as evidências mais fortes obtidas até o momento de que os medicamentos utilizados para tratar o vírus da imunodeficiência humana também poderiam ser incorporados em estratégias de contenção da disseminação do HIV.

Segundo o artigo publicado pela revista britânica, The Lancet, médicos recrutaram 3.381 casais heterossexuais em sete países africanos.

Cada casal era "sorodiscordante," o que significa que um dos parceiros estava infectado por HIV, enquanto o outro não estava.

349 indivíduos receberam medicamentos antirretrovirais a partir do momento em que seu sistema imune, conforme medido pela contagem de células CD4, ficou abaixo de um determinado nível. Os demais indivíduos infectados receberam um comprimido sem efeito, chamado tecnicamente de placebo.

Os pesquisadores coletaram amostras de sangue dos/das parceiros/as dos indivíduos infectados a cada três meses para verificar se também passaram a ser infectados/as. O estudo foi monitorado de perto por um comitê de ética, e incluiu um curso de capacitação em sexo seguro, bem como acompanhamento médico de rotina.

Após 24 meses, 103 pessoas que não tinham HIV no início da pesquisa haviam sido infectadas com o vírus por seus parceiros.

Contudo, apenas uma destas 103 transmissões foi causada por um parceiro que estava em tratamento antirretroviral.

Os resultados foram confirmados por genotipagem (genetic fingerprinting) do vírus, para demonstrar se foi transmitido pelo parceiro infectado ou por alguém que não estava participando da pesquisa.

Em suma, estar em terapia antirretroviral (TARV) reduziu em 92% o risco de infectar outra pessoa, uma redução enorme que destaca o potencial destes medicamentos como uma arma na prevenção do HIV, em vez de simplesmente utilizá-los para tratamento, afirmam os autores.

"Disponibilizar TARV a pacientes infectados com o HIV-1 talvez seja uma estratégia eficaz para conseguir a redução da transmissão do HIV-1 em populações inteiras," afirma o artigo. O HIV-1 é a cepa mais comum do vírus da aids.

O ponto crucial (benchmark) poderia ser quando o indivíduo tem uma baixa contagem de células CD4 e uma alta carga viral, o artigo sugere. O maior impacto poderia ser entre pessoas cuja contagem de CD4 está inferior a 200 células por microlitro, de acordo com a pesquisa.

A TARV reduz a quantidade do vírus no sangue e em fluidos corporais como o sêmen e a mucosa vaginal, e assim diminui a exposição de quem não está infectado, acreditam os especialistas.

Contudo, os autores fazem uma alerta. Se bem que a TARV possa reduzir o risco de infectar outras pessoas, o perigo permanece, e assim o aconselhamento sobre práticas de sexo seguro é essencial.

O estudo, liderado por Deborah Donnell da Universidade de Washington e do Fred Hutchinson Cancer Research Center em Seattle, enfocou apenas as relações sexuais entre pessoas heterossexuais.

O estudo não examinou outros meios de transmissão do vírus, tais como relações sexuais anais, o compartilhamento de seringas ou a transmissão da mãe para o feto.

A TARV foi introduzida nos países ricos em meados da década de 1990, mas levou mais uma década para que a distribuição fosse aumentada nos países pobres mais afetados pela pandemia global da aids.

Para muitas pessoas, os medicamentos fizeram com que vírus da aids deixasse de ser uma sentença de morte e se transformasse em uma doença crônica, porém controlável. O coquetel suprime o vírus, porém não o elimina, e muitas vezes tem efeitos colaterais tóxicos.

Em torno de 33,4 milhões de pessoas estão vivendo com HIV atualmente, das quais mais de 30 milhões vivem em países de renda baixa e média, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Conforme informações no site da agência, estima-se que pelo menos 9,7 milhões dessas pessoas precisam de TARV mas, até o final de 2008, apenas 4 milhões tinham acesso aos medicamentos.

Transmissão heterossexual do HIV-1 após o início da terapia antirretroviral: um estudo de coorte prospectiva

The Lancet, Publicação Antecipada Online, 27 de maio de 2010

Dr Deborah Donnell PhD a b, Jared M Baeten MD b c d, James Kiarie MBChB b f, Katherine K Thomas MS b, Wendy Stevens MBBCh g, Craig R Cohen MD i, James McIntyre MBBCh h, Jairam R Lingappa MD b c e, Connie Celum MD b c d, pela Equipe do Estudo Parceiros na Prevenção da Transmissão do HSV/HIV (Partners in Prevention HSV/HIV Transmission Study Team)‡

Contexto

Altas concentrações plasmáticas de RNA de HIV-1 são associadas ao aumento do risco da transmissão do HIV-1. Iniciar a terapia antirretroviral (TARV) reduz as concentrações plasmáticas do HIV-1. Objetivamos avaliar o efeito da utilização da TARV por pacientes infectados com HIV-1 sobre o risco da transmissão para seus parceiros não infectados.

Metodologia

Os participantes de nosso estudo de coorte prospectiva faziam parte de um ensaio randomizado controlado por placebo que recrutou adultos africanos heterossexuais soropositivos para o HIV-1 e também para o vírus herpes simplex tipo 2, e seus parceiros soronegativos para o HIV-1. Ao ingressar no ensaio, os participantes infectados com HIV-1 tinham contagens de CD4 de 250 células por μL ou superior e não se enquadravam nas diretrizes nacionais para o início da TARV; durante 24 meses de monitoramento, as contagens de CD4 foram realizadas a cada 6 meses e a TARV foi iniciada conforme as diretrizes nacionais. Os parceiros sem infecção foram testados para o HIV-1 a cada 3 meses. O resultado principal procurado foi a transmissão geneticamente ligada do HIV-1 entre casais no estudo. Avaliamos as taxas da transmissão do HIV-1 de acordo com o status de TARV dos participantes infectados

Resultados

3381 casais foram elegíveis para o estudo. 349 (10%) dos participantes com HIV-1 iniciaram a TARV durante o estudo, com contagem média de CD4 de 198 (Intervalo Interquartílico - IQR 161—265) células por μL. Apenas uma das 103 transmissões geneticamente ligadas do HIV-1 foi de um participante infectado que já iniciou a TARV, correspondendo a taxas de transmissão de 0,37 (IC 95% 0,09—2,04) por 100 pessoas/ano naqueles que já iniciaram o tratamento e 2,24 (1,84—2,72) por 100 pessoas/ano naqueles que não iniciaram o tratamento—uma redução de 92% (razão de taxa de incidência ajustada 0,08, IC 95% 0,00—0,57, p=0,004). Nos participantes que não estavam em TARV, a taxa mais alta de transmissão do HIV-1 (8,79 por 100 pessoas/ano) ocorreu naqueles com contagem de CD4 inferior a 200 células por μL. Nos casais nos quais o parceiro infectado com HIV-1 mas sem tratamento tinha uma contagem de CD4 superior a 200 células por μL, 66 (70%) das 94 transmissões ocorreram quando as concentrações plasmáticas de HIV-1 excederam 50.000 cópias por mL.

Interpretação

Contagens baixas de células CD4 e concentrações plasmáticas altas de HIV-1 talvez indiquem a utilização da TARV para alcançar benefícios na prevenção do HIV-1. Disponibilizar TARV a pacientes infectados com o HIV-1 talvez seja uma estratégia eficaz para conseguir a redução da transmissão do HIV-1 em populações inteiras.

Financiamento

Bill & Melinda Gates Foundation; US National Institutes of Health.

a Statistical Center for HIV/AIDS Research and Prevention and the Vaccine and Infectious Disease Institute, Fred Hutchinson Cancer Research Center, Seattle, WA, EUA;
b Department of Global Health, University of Washington, Seattle, WA, EUA;
c Department of Medicine, University of Washington, Seattle, WA, EUA;
d Department of Epidemiology, University of Washington, Seattle, WA, EUA;
e Department of Pediatrics, University of Washington, Seattle, WA, EUA;
f Department of Obstetrics and Gynaecology, University of Nairobi, Nairobi, Quênia;
g Department of Molecular Medicine and Haematology, University of the Witwatersrand National Health Laboratory Service, Johannesburgo, África do Sul;
h Anova Health Institute, Johannesburgo, África do Sul;
i Department of Obstetrics, Gynecology and Reproductive Sciences, University of California, San Francisco, CA, EUA.

Correspondência: Dr Deborah Donnell, VIDI, Fred Hutchinson Cancer Research Center, 1100 Fairview Ave N, Seattle, WA 98109, EUA

‡ Integrantes relacionados ao final do artigo