Adoção - Um outro lado da questão
Quando se fala em adoção, a primeira reflexão que nos vem à mente, seja ela moral, social, afetiva ou legal, direciona-se ao adotando, ou seja, à criança ou adolescente a ser adotado. A começar por um conceito muito utilizado para definir a adoção, temos que a adoção é: “incluir numa nova família uma criança ou adolescente” e seguem-se os motivos dessa necessidade, como por exemplo o abandono, a cessação de maus-tratos à criança, a impossibilidade financeira dos pais biológicos e até mesmo o desejo dos pais biológicos, por outras razões que não financeiras, declinarem de criar seu filho.
Muito bem, obviamente o lado mais fragilizado e mais carente de atenção, psico-social e jurídica, é o da criança e adolescente à espera de adoção. E é sobre este lado que a legislação e a jurisprudência mais têm depositado sua atenção.
Mas não são apenas as crianças que têm sentimentos de ansiedade e temor despertados nesta seara, e aqui poderíamos nos debruçar por páginas e páginas listando a origem dessa ansiedade naqueles que se candidatam a adotar, pois a adoção não é meramente um ato de compaixão. É antes um ato de amor e de responsabilidade. E esta enorme lista inclui aqueles casais com incapacidade biológica para terem seus próprios filhos, inclui aquelas pessoas que se dispõem a acrescentar filhos adotivos à sua própria prole biológica, pessoas solteiras, idosas, homossexuais etc.
Mas no presente momento nos ateremos a uma específica ansiedade, àquela dos candidatos a adotantes que são portadores do vírus HIV. E estes candidatos podem ser homossexuais ou heterossexuais. Aqueles obviamente pela inviabilidade natural e estes por estarem desaconselhados a gerar seus próprios filhos biológicos, o que não significa que pretendam opor restrição à adoção de crianças portadoras do HIV, mas aqui vamos nos ater ao adotante e não ao adotando.
Lembrando, todavia, que este artigo é apenas uma reflexão, e não tem a pretensão de trazer uma interpretação das leis que regem a matéria, tampouco de informar uma tendência jurisprudencial, até porque, do ponto de vista jurídico, a questão sequer mostra algum caminho definido.
No Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA (Lei Federal n° 8.069 de 13 de julho de 1990), a adoção está disposta nos artigos 39 a 52, sendo esta uma forma de colocação em família substituta que confere a condição de filho à criança ou ao adolescente.
No Brasil, a adoção é regida pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
Entre as muitas dificuldades para quem participa deste processo – tanto para a criança que vai ser adotada, quanto para os que pretendem adotá-la – está a burocracia. O processo de adoção leva, em média, de três a cinco anos para ser concluído.
A adoção é irrevogável, mesmo que os adotantes venham a ter filhos, aos quais o adotado está equiparado, tendo os mesmos deveres e direitos, proibindo-se qualquer discriminação.
Estes são os requisitos objetivos. Quando passamos aos requisitos e procedimentos de cunho subjetivo é que podemos pensar no que implica ser o adotante portador do vírus HIV.
Muito mais que os interesses dos adultos envolvidos, é relevante para a lei e para o juiz que irá decidi-la se a adoção trará à criança ou adolescente a ser adotado reais vantagens para seu desenvolvimento físico, educacional, moral e espiritual. Sua finalidade é satisfazer o direito da criança e do adolescente à convivência familiar sadia, direito este previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
Os artigos da Constituição Federal ou as Leis Federais que regem a matéria não permitem e tampouco dão azo a interpretações no sentido de impor qualquer obstáculo à adoção por motivos de segregação. Ou seja, é vedado qualquer tipo de discriminação. Portanto, se obstáculo houver ao portador do HIV, este será vinculado aos artigos ora transcritos como uma sua consequência. Somente neste âmbito é que se poderá discutir a questão, ou seja, se o estado de saúde do adotante poderia de algum modo comprometer as “reais vantagens” ou os “benefícios” para o adotando.
Partindo do pressuposto ético da não omissão do portador a se candidatar à adotante, passamos a esta reflexão.
Trata-se de avaliação subjetiva, porque poderá certamente enveredar por questionamentos quanto à disponibilidade do adotante de cuidar da criança que se quer adotar, bem como poderá enveredar por elocubrações futuristas, infelizmente, a respeito da expectativa de vida da pessoa portadora do HIV, o que atualmente sabe-se muito bem, apresenta uma variação muito grande de paciente para paciente.
O processo de adoção requer a avaliação psico-social do adotante e, certamente, é prudente se prever que ainda não estamos a salvo do estigma do vírus HIV, muito vinculado ao uso de drogas, à promiscuidade sexual e até mesmo ao descaso do infectado com sua saúde, a desembocar na consequente conclusão acerca de sua baixa auto-estima. Nada, porém, que não possa ser reconstruído com a perseverança e participação segura e digna do candidato à adoção em todas as fases de entrevistas e pesquisa.
É importante também que esta avaliação psicossocial seja encarada pelo adotante como uma chance de analisar também se está preparado para uma adoção.
O que se pode esperar e ter em mente é que o fato de ser portador em si não é empecilho à adoção, assim como não o foi a homossexualidade. Haja vista já despontar considerável jurisprudência favorável à chamada adoção homoafetiva.
O foco, fique bem claro, é a entidade familiar que se pode oferecer à criança a ser adotada, a afetividade, este sim o princípio implícito do Direito de Família; a estabilidade e o favorecimento da mútua assistência.
A Justiça, mesmo tendo como fonte principal a Lei, não vem mais prescindindo do auxílio multidisciplinar em seu julgamento. Atualmente, psicólogos e assistentes sociais são consultados nos processos de adoção, nos chamados serviços auxiliares. A intervenção técnica no processo adotivo tem por objetivo específico verificar se os requerentes reúnem condições sociais e psicológicas para assumirem a adoção e se é caso da criança ou o adolescente ser colocado à disposição para adoção.
Esta intervenção técnica adentrará as questões que fogem do âmbito estritamente de Direito. Se um estudo social e psicológico concluir que a adoção trará benefícios ao adotando, pouco se poderá opor ao seu deferimento, se já atendidos os requisitos objetivos.
Não é crível, portanto, que o simples fato de ser o adotante portador do HIV, na atual conjuntura, possa configurar um empecilho, por si só, à adoção.
Roseli Hirasike
Bacharel em Direito
Fontes:
- Viviane Girardi, “Famílias Contemporâneas, filiação e afeto”
- Guia de Adoção, Fundação Orsa – Criança e Vida (www.fundacaoorsa.com.br)
- Luiz Antonio Miguel Ferreira, “Aspectos Jurídicos da Intervenção Social e Psicológica no Processo de Adoção
- CAO da Infância e Juventude – Ministério Público do Estado de Sã Paulo