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a um(a) amigo(a).

Muitas são as histórias que constróem o GIV. Uma delas ocorre no final de cada ano quando são colocadas estrelinhas em nossa árvore de Natal para lembrarmos das pessoas que faleceram.

A AIDS levou muitos de nossos amigos e nos ensinou a importância de celebrar a vida e preservar o significado e a memória que construímos juntos.

Walmir Lopes
Setembro de 2002 a Março de 2003


Meu nome é Walmir, há cerca de cinco anos atrás eu e minha esposa contraímos o vírus HIV. Nessa época eu estava trabalhando em uma empresa de confecções.

Minha esposa adoeceu, levei-a a uma clínica que pertencia ao convênio da empresa, lá foi diagnosticada a meningite, e também que ela era soropositiva. Após fazer o teste descobri que eu também estava contaminado.

Iniciei meu tratamento na Fundação Zerbini, no ambulatório conhecido como Casa da AIDS. Minha esposa continuou o tratamento através da clínica conveniada pela empresa.

Fui chamado para uma conversa por um diretor da empresa, senhor José; ele era amigo da família e inclusive freqüentava a casa dos meus pais. Durante a conversa o senhor José disse-me "Walmir, eu já sei de tudo o que está acontecendo, mas pode ficar tranqüilo que isso ficará entre nós dois, e não contarei nem para os funcionários, nem para os patrões". O senhor José entrara algumas vezes em contato com a clínica onde minha esposa fazia tratamento para saber como ela estava.

Fiquei mais aliviado, pois estava consciente que eu era um bom funcionário, e estava em perfeita condição para o trabalho.

Passados alguns dias, o senhor José comunicou-me que não seria mais o meu diretor, e que eu estaria subordinado ao senhor Célio.

Logo em seguida minha esposa faleceu, e três meses após fui demitido. O mundo desabou sobre a minha cabeça. Estava viúvo, com dois filhos pequenos, e agora desempregado.

Aos poucos a situação foi clareando, descobri que alguns colegas de trabalho já sabiam da minha doença. Procurei uma advogada para acionar a empresa por discriminação. Conversei com colegas de trabalho que aceitaram ser minhas testemunhas no processo.

Estou processando a empresa não pelo dinheiro, pois todo o dinheiro do mundo não paga a humilhação que passei diante de amigos e familiares.

Estou confiante na vitória, pois a justiça será feita, e com certeza outros pensarão bem antes de discriminar seus funcionários pelo fato de terem o vírus HIV correndo em suas veias.

 
Val
Abril a Agosto de 2002


Tenho 27 anos, geminiana carente, estou a procura da minha cara metade, quem sabe posso encontrar através desse depoimento. Achava que era a única pessoa do mundo, no começo sei que é difícil para todo mundo receber essa notícia. Mas graças à Deus consegui superar, acordei para a vida.

Vale a pena viver mesmo com o preconceito, temos que mostrar para essas pessoas que somos gente e não bicho ou lixo atômico, e que não temos que viver isolados por causa dessas pessoas.

Nada disso pode acontecer, temos que ser fortes e viver na esperança da cura. No fundo ninguém aceita, mas com o tempo aprende a conviver com o vírus.
Tenho um filho que se chama Gabriel, é soronegativo, foi Deus que colocou essa criança para mim, que sempre será meu anjo que caiu do céu, meu anjo Gabriel. Ele é um dos motivos para eu estar viva.

Sou portadora assintomática, não faço uso de medicação nenhuma. Procuro estar sempre de bem com a vida.

O que me fez acordar para a vida foi através de um grupo de convivência que frequento no Gapa Bahia. Consegui recuperar a minha auto estima. Aconselho aos portadores a procurar na sua cidade um grupo de convivência porque lá vamos encontrar acolhimento e respeito. Porque somos gente, queremos viver e levar uma vida normal, mesmo sabendo que poderemos encontrar espinhos. Não podemos desistir, temos que persistir e enfrentar de cara limpa, não podemos andar com medo da nossa própria sombra. Não fizemos nada para a sociedade. Somos vítimas das conseqüências do mundo....

Se alguém quiser escrever para mim, estarei ansiosa esperando por sua carta.

 
Dulce B.
Setembro 2001 a Março de 2002


"Um dia houve uma Dulce que brigava com a vida, que brigava consigo, que achava que a solução das coisas complicadas estava na morte.
Um dia houve uma Dulce que teve um marido, que teve duas filhas.
Um dia houve uma Dulce que todos diziam cheia de vida, mas que não sabia viver.
Um dia houve um HIV na vida da Dulce.
O mundo escureceu, o chão balançou, os fantasmas todos batiam em todas as portas.
A Dulce quase morreu com medo de morrer de AIDS.
A Dulce se perdeu no escuro.
Ela já não era, ela estava, com AIDS.
Um dia a Dulce ouviu dizer que alguém disse que havia pessoas que dominavam o escuro, no compartilhar suas amarguras.
Que era possível se ver além do HIV, apesar do HIV e com o HIV.
Essa Dulce então foi ao GIV e se olhou naquela gente que queria viver.
Então esta Dulce viu uma outra Dulce.
Querendo ficar com a vida porque havia muito para ser vivido.
O Grupo de Incentivo à Vida me mostrou, me provou e me fez sentir que eu não estava sozinha.
Hoje eu posso contar uma nova história de mim.
Hoje o escuro se fez claro e eu tenho muitas janelas para olhar.
Hoje eu estou aqui e não sou sozinha".

 
Abel
Março a Agosto de 2001


Começo este depoimento me apresentando, me chamo Abel, tenho 37 anos de idade e 13 anos de soropositividade, devido a uma relação sexual desprotegida.

No final de 1988, me convidaram para doar sangue para ajudar um parente necessitado, foi quando fiquei sabendo da realidade que seria a minha vida daquele momento em diante.Na época com 25 anos, reiniciando o curso de Direito, trabalhando, fazendo planos para um futuro profissional e familiar, pois o meu sonho seria ter um filho por volta dos trinta anos, idade que meu pai se casou. Sempre me imaginei nessa condição, mas naqueles anos a morte era certa e não existiam terapias convincentes como os antiretrovirais de hoje, mas enchi-me de forças, pensei positivamente e não negligenciei a VIDA. Pelo contrário, procurei ajuda, seguia as recomendações do meu médico que solicitava exames a cada três meses.

Passados sete anos meu companheiro faleceu vitimado de AIDS. Foi um duro golpe para mim, pois havia perdido aquele que havia despertado em mim o interesse pela VIDA. A partir daí fiquei muito deprimido e os resultados dos meus exames ficaram péssimos, precisando de medicação apropriada para depressão, pois vivia excluído do mundo, evitava os amigos e me sentia desanimado para o trabalho.Os efeitos colaterais dos remédios são os piores vilões. A lipodistrofia me deixou com o rosto murcho, diarréias freqüentes, refluxo gástrico, herpes.

Procurei um grupo de ajuda mútua e encontrei o GIV, no qual me tornei voluntário e participo de um projeto com crianças e adolescentes. A minha família foi de grande importância no meu tratamento, pois passei a compartilhar com eles a minha soropositividade desde o momento que precisei fazer uso das medicações e da morte do meu companheiro.

Ainda estou em fase de resgate clínico, mas sempre penso positivamente e procuro terapias que me auxiliam no tratamento, como a yoga, caminhadas, preenchimento estético da face, muito amor da minha família e dos amigos que restaram.

Meu médico é meu melhor amigo, tenho muita confiança nele, nós conversamos muito sobre tudo o que passa na minha VIDA e é por causa desse diálogo franco e aberto que tenho respostas de como avançar firme no meu tratamento.

Ser portador não me faz diferente de qualquer outra pessoa que tem dor de barriga, pneumonia, dores nas pernas e muitas outras coisas. Sou feliz, e me despeço com um brilho no infinito dos teus olhos.

Meus beijos.

 
Gil
Setembro 2000 a Fevereiro de 2001


Era 7 de setembro de 1995, dia da Independência do Brasil, data essa que quase ninguém se lembra de algum motivo para comemorar. Para mim jamais será esquecida, pois naquele dia descobri que o meu companheiro, com quem eu tinha vivido quatro anos e meio, e mesmo depois do fim do relacionamento continuávamos morando juntos, estava doente e já em estado avançado. Ele veio a falecer 38 dias depois. Foram dias de pânico, desespero...,até que ele se foi, eu não havia parado para pensar em mim. Na semana seguinte, mesmo com muito medo fui fazer o teste, e logo veio o resultado "positivo". Lembro-me que quando sai do hospital tudo era cinza, o chão desaparecia em baixo dos meus pés, o meu mundo caia e junto com ele todos os meus sonhos. Pensei que em breve morreria também. Com a ajuda de um amigo fui levado a um grupo de ajuda mútua e aos poucos fui aprendendo tudo a doença que até então eu era completamente leigo. A partir dali tudo era novo para mim. Médico, exames, enfim, com a ajuda dos amigos e o apoio que encontrei dentro do grupo, fui aprendendo a lidar com a situação.

Dois anos depois, quando minha vida começava a se encaminhar, sofri outro grande impacto com o meu afastamento do trabalho por terem descoberto a minha sorologia. Senti na pele a dor do preconceito e confesso que foi pior do que receber meu diagnóstico. Até hoje não consegui retornar ao trabalho, mesmo apresentando vários atestados que conferem a minha aptidão.

Tenho dedicado o meu tempo quase que integralmente ao grupo que me acolheu e hoje posso ser útil ajudando a outras pessoas.

A aderência aos medicamentos tem sido fundamental para manter-me saudável e com disposição para não desistir.

Hoje, sinto que viver com HIV não é nada agradável, preferia não ter, mas já que tenho, procuro viver bem com ele e continuo achando que 'a vida é bela e vale a pena viver'.

 
L.D.R.
Maio a Julho de 2000


Hoje tenho 33 anos, soropositivo há 13 anos. Com certeza contraí o vírus por via sexual, devido uma vida sexual bastante agitada. Na época da adolescência não me preocupava muito em me proteger contra doenças usando preservativos ou outros meios. Freqüentava saunas, boates e outros lugares sem medo e sem preconceito. Não me preocupava com o alarde do HIV, que rondava os homossexuais.

No ano de 1987, estava com 19 anos, e por "brincadeira", eu e um grupo de amigos resolvemos procurar o Hospital Emílio Ribas para juntos fazermos o exame específico para detectar o vírus HIV. Marcamos a data para a coleta do sangue para o exame. Somente eu fui ao hospital, como já estava lá, fiz o exame. Por medo não fui pegar o resultado.

Em junho de 1988 resolvi buscar o resultado, que para o meu desespero foi positivo.O resultado foi me dado por um médico "na lata", sem nenhuma preparação. Chorei muito, e pensamentos vieram a minha cabeça, achei que minha vida estava acabada, além das vidas dos meus familiares e do meu companheiro.

Como seria quando todos soubessem? Além disso, tinha medo de perder o trabalho, os amigos e terminar só. Mesmo com todos os temores fui levando a vida. Após 3 anos comecei a tomar medicação, que não me ajudou muito, pois na época estava perdendo peso, o que levou-me após algum tempo a uma segunda medicação, que apresentou um resultado um pouco melhor.

Em 1996 tive uma pneumocistose e fui afastado do trabalho, nessa mesma época surgiu o coquetel, que logo começei a tomar, com o qual tive ótimos resultados que se mantém até agora. Hoje levo uma vida praticamente normal, minha família me dá total apoio, tão diferente do que imaginava. Voltei fazer planos e ter novos objetivos. Agradeço a Deus pela vida

 
Luiz / Márcia
Janeiro a Abril de 2000


Esperança, Paz, Solidariedade...
O que esperar deste Novo Ano? Que se Valorize a Vida!

Enquanto a maioria das pessoas aguardam ansiosas pela chegada do ano 2000, simplesmente para brindar com suas taças brilhantes, sonhar com um país mais próspero. Deixando para o ano velho toda a miséria, injustiça, preconceito e muita angústia. Estamos vivendo hoje incertezas e muitas dúvidas, pois não sabemos como será o nosso verdadeiro amanhã.

Temos que lutar e acreditar que todo dia é um novo dia, a cada nascer do sol uma nova esperança renasce em nossos corações nos tornando mais solidários as causas alheias.

Ganhamos muitas batalhas contra o nosso HIV. Porém a guerra ainda continua, devemos estar sempre alerta, pois temos direitos e deveres, não basta apenas esperar que outros façam tudo por nós. Levantamos uma bandeira para sermos respeitados, acreditamos no fim do preconceito, mas ao cruzarmos os braços nada será nos entregue de boa fé.

Em meu corpo foi plantado uma semente que a cada dia cresce pulsando até o momento de nascer, depende da minha responsabilidade que esta nova vida venha ao mundo iluminado, saudável, respeitado e não rejeitado.

Porém depende de todos nós que os medicamentos, os exames e o atendimento aos soropositivos melhorem 100% neste tão esperado ano 2000. Não temos a ilusão de que a cura para o HIV venha acompanhada com o Novo Milênio.

Existem muitos estudos e os especialistas conseguiram muitos progressos em relação aos remédios Isto nos fortalece e nos enche de esperanças com relação à saúde de nosso filho, a seriedade e dedicação dos médicos nos transmitem segurança.

Temos muita luta nesta nossa caminhada. Esperamos que ao brindarmos a chegada do ano 2000, nasça em nossos corações a certeza de que da união e força de todos será mais fácil acreditar na cura breve deste mal do século.

Que Deus abençoe a todos nós, e que possamos ter a visão correta deste novo milênio.


P.S.: No dia 10 de Março de 2000 nasceu Matheus, filho de Márcia e Luiz, ambos soropositivos.

 
Dr. Advogado
A Ponte – Setembro a Dezembro de 1999


Descrevo a seguir em forma de romance, tragédia ou humor o meu primeiro contato e convívio a seguir com o HIV. Como acontece em certos casos, o excesso de irresponsabilidade é que permite a contaminação de parte dos portadores. Cada um a seu nível, mas de maneira irresponsável.

No meu caso, um profissional liberal de classe média, com acesso a todos os meios de comunicação e informação, sabedor da existência e risco da doença, portanto classificado no grupo de irresponsáveis esclarecidos.

Este é apenas um preâmbulo, para introduzir uma relação afetiva que desenvolvi com a doença. A partir da descoberta da doença, passei pela fase do descontrole emocional que atinge qualquer ser humano em uma situação como esta, apresentando características e efeitos variáveis para cada pessoa.

Eu sou dotado de um senso de equilíbrio muito forte, que limitou em um espaço de tempo muito pequeno para a síndrome inicial da doença. Com isso assumi a consciência de que a minha vida tomava um novo destino, e resolvi saber qual era esse destino. Tracei planos dentro da lógica jurídica “se cometestes um crime, serás julgado, condenado e pagarás por este crime”.

Cometi um crime e como único culpado somente eu devo pagar por ele. Resolvi não dividir com ninguém a luta que começaria a partir de agora com a doença, apenas com os médicos. Haveria de existir um último momento onde o segredo não poderia ser mantido, ou seja, em uma possível fase terminal, os interessados tomariam conhecimento.

Minha avó, uma negra faceira, que chegou ao Brasil ainda no regime escravocrata, falecida com aproximadamente 106 anos de idade, costumava dizer que: “é sempre bom ter o inimigo por perto, pois as suas chances de defesa são maiores”.

Resolvi tratar o vírus de meu “Melhor Inimigo”. Inimigo porque deseja o meu fim, o meu mal. Melhor porque convive dentro de mim, portanto faz parte da minha vida. Iniciamos uma relação, digamos incestuosa, pois os dois não se respeitam, não se aceitam, não se suportam, mas convivem no mesmo mundo, esperando a primeira oportunidade onde o mais forte há de desferir o golpe fatal.

Ele ainda tem a força desconhecida capaz de me mandar para o desconhecido, mas em compensação, eu tenho o livre arbítrio de não permitir o que ele mais deseja, que é disseminar-se para outras pessoas, o que da minha parte este não conseguirá. Logo se ele vencer a batalha, será o meu companheiro na viagem para o mundo de onde este veio...

Olha pessoal, a fábula sintetiza que para se ter melhores inimigos, é indispensável que se tenha melhores amigos, e para tê-los, depende sempre de nós.

Eu concluo dizendo que como portador tenho o direito de momentos de infelicidade, mas eu prefiro trocá-los por momentos de felicidade, porque a felicidade de portadores ou não é sempre o agora, não se pode esperar o amanhã, pois pode ser que este não chegue.

 
Mário
Julho e Agosto de 1999


Em março de 93, terminei meu relacionamento com um cara que mantinha comportamento de risco, e passei a desacreditar que fosse possível ter um amor verdadeiro.
Decidi que iria ficar sozinho. Não queria mais me arriscar novamente e sofrer nova decepção.

Quando eu menos esperava, um mês após, conheci Sílvio, e descobri que o amor verdadeiro existia. Tínhamos muitos pontos em comum, além do fato de sermos HIV+. Nos encontravámos mais de uma vez por semana, telefonávamos constantemente e conversávamos sobre diversos assuntos.
Finalmente chegou o dia 12 de junho, marcamos um encontro nas escadarias do Colégio Objetivo, onde também ficavam os cines Gazeta, Gazetinha e Gazetão.

Então, algo inédito aconteceu na minha vida, recebi meu primeiro e último presente do dia dos namorados: o livro "Metáforas da AIDS". Após isto, começaram a surgir complicações para Sílvio, pois seu organismo não aceitava o AZT. Vieram as doenças oportunistas, e Sílvio veio a falecer em fevereiro de 94.

Hoje, não passo mais de ônibus pela Av. Paulista, porque não preciso ver as escadarias para me lembrar de Sílvio. Eu sei que ele estará lá, todos os dias 12 de junho com um presente para mim.Quando vou para os lados da Av. Paulista, prefiro ir de Metrô.

Não me sinto triste porque não perdi Sílvio, aliás, ele está bem vivo em minha memória, está vivendo em uma nova dimensão e, um dia, tornaremos a nos encontrar.
Gostaria de comprar-lhe um presente, mas não sei para onde enviar.Então, o único presente que posso lhe dar são palavras.

Quero lhe dizer que ainda o amo, sinto a sua falta e, não importa o quanto demorar, estarei aqui, esperando por você.

 
Kauê
Maio e Junho de 1999


P... que pariu! Tinha quase certeza! Essa foi a frase que eu consegui falar ao receber o resultado positivo. A seguir foram só imprecações e conjecturas absurdas “sem pé e cabeça”. Tais como: porra! porquê eu? Que mal fiz a Deus? Como pude ter vacilado?

Apesar de ter informações sobre, e até ter tido contato com pessoas infectadas, me faltou uma conscientização maior. Acabei por subestimar em demasia a epidemia, e insistia em práticas e atitudes de risco, muitas vezes sem preservativos no ato sexual. Mesmo tendo um mínimo de inteligência, agia como um estúpido, pois ainda achava que era doença de gay e de usuários de drogas, e que usar camisinha era como comer bala com papel.

Comecei sentir os sintomas em 1994, tive uma herpes genital. Estava com uma síndrome anêmica e um cansaço fora do comum. Mas só fui dar bola realmente à minha saúde no início de 1996, quando sofri minha 1.ª infecção oportunista. Tive toxoplasmose cerebral, paralisando o lado direito do meu corpo. Acabei no hospital em coma por 15 dias.

A “casa caiu”, não dava pra esconder mais. Estava desnorteado, achando que morreria logo, um sentimento de culpa me invadiu, não parava de pensar na mulher e nos filhos. Será que eles também? É por minha causa?

Entrei em pânico, cai numa deprê profunda, meu Cd4 chegou a 3, com mais de 330.000 cópias do vírus. O local onde fazia o tratamento não dispunha de estrutura para acompanhamento sorológico. Também não encontrei apoio em minha companheira, que só faltou me “crucificar”. Não agüentei a pressão e o desprezo. Acabei saindo (ou enxotado) para evitar o pior. Era a “noia”. Meu poço não tinha fundo.

Tinha vergonha em procurar meus irmãos pra falar sobre a doença. Minha vontade era sumir, mas acabei cedendo às pressões de minhas irmãs. A reação não podia ser diferente, um misto de decepção e medo, mas nunca a indiferença; pelo contrário, recebi o apoio que precisava para tentar juntar os pedaços que restavam de mim, e tentar me organizar.

Conheci o GIV, onde obtive orientações mil e um “norte” como direção. Hoje recuperei boa parte de minha saúde físico clínico-emocional, e o mais importante, a auto-estima. Com certeza, hoje tenho muito mais qualidade de vida e, sem sombra de dúvida posso afirmar que estou dando minha volta por cima. Você também pode, é só querer!

A AIDS me ensinou muitas coisas e me fez crescer como pessoa, mas é claro que preferia não tê-la.

 
Lucy
Janeiro a Abril de 1999


Hoje quando olho para trás, não acredito na transformação que o HIV/AIDS efetuou em minha vida. Lembro-me de que andava angustiada com o rumo do meu relacionamento, que estava tumultuado, cheio de conflitos e dúvidas.

Nesta confusão de sentimentos, fui convocada para uma reunião com a Diretoria Médica do meu trabalho. O médico cumprimentou-me um tanto apreensivo e, olhando-me fixamente, entregou-me o resultado de um exame de laboratório.

Perplexa, ainda consegui perguntar o que era, sem nada compreender. “Luis está com AIDS”, disse. “Lamento muito por você!” Sua voz soou num misto de tristeza e desesperança. Olhei-o, admirada. Ele não fora capaz de sustentar o próprio olhar e, talvez para não chorar na minha frente, deixou-me só. Não sei quanto tempo permaneci ali. Lembro somente de que não chorei. Descrever o meu estado psicológico jamais seria possível...

Os dias passaram lentos e angustiantes. Nesse período, eu aguardava o resultado do meu exame, num misto de desespero e depressão. Nos corredores do hospital, via a ansiedade no olhar dos colegas de trabalho, manifestando-se numa torcida silenciosa a meu favor. Diretamente ninguém se dirigia a mim sobre a questão, mas toda vez, que eu chegava ao refeitório, em meio ao burburinho, as atenções se voltavam para mim. Isso não me causava mal-estar, apenas a impressão de estar numa outra dimensão.

O resultado positivo de meu exame, confirmou meu desespero. Diante do fato novo, antevi um futuro terrível. Se houvesse futuro! Meu relacionamento estava insustentável e desgastante. Brigávamos porque eu insistia para que ele iniciasse o tratamento, ao que se negava, alegando ser uma luta perdida. Do meu lado, ainda sem estrutura, sentia-me incapaz de tomar decisões, de prosseguir. Permaneci assim por meses.

O médico “dera-me” apenas dois anos de vida... Não teria tempo para a conclusão do tão sonhado curso de publicidade. Nessa mesma ocasião, dei finalmente vazão a toda minha dor. Chorei como criança no dia que tranquei a matrícula na faculdade. Acredito que foi o momento em que realmente me senti desesperada. Passei então a observar o “efeito bomba” do HIV/AIDS, em minha vida. Já não havia mais sonhos, esperanças ou perspectivas. Tinha a sensação de que perdera a vida.

Luís continuava sem tratamento e bebia descontroladamente. Ficava dias sem aparecer no trabalho, sem dar notícias, deixando todos muito apreensivos. Assim foi durante um ano, até que ele tomasse a iniciativa de romper definitivamente o laço que existia entre nós. Eu o amava e sofri muito. Sozinha, pois minha família não sabia de nada. O desânimo que me consumia lentamente.

Numa consulta de rotina, meu médico aconselhou-me a fazer terapia e, gradativamente, fui me reintegrando, aceitando minha nova condição e, em doses homeopáticas, me redescobrindo. Tempos depois, iniciei a reconstrução da minha vida social. Eu queria viver! Sabia que talvez fosse uma luta desigual, mas que queria tentar.

Em março de 1991 iniciei um novo relacionamento. Ele era soronegativo. Surgiu numa hora oportuna, tornando-se meu alicerce, uma nova energia que iluminaria minha vida. Uma luz que me tranqüilizaria no meio de toda aquela escuridão. No início foi difícil e todos reagiam com admiração quando sabiam de nossa discordância. Eu sentia um certo mal-estar e muitas vezes quis romper a relação, mas com o tempo fui adquirindo autoconfiança, exorcizando meus fantasmas. Em 21 de maio de 1994, nos casamos.

Na mesma época, Luis ficou noivo. Ainda éramos colegas, mas fiquei indignada quando soube que sua noiva se tornara soropositiva. Cortei, conseqüentemente, todos os laços afetivos que ainda mantinha com ele. Não quis ouvir seus argumentos. Passamos a nos cruzar pelos corredores do hospital sem sequer nos olharmos. Fase difícil, mas não busquei qualquer tipo de reconciliação. Em janeiro de 95, ele ficou doente.

Procurei, então me reaproximar, auxiliando no que podia, sem que ele soubesse. Acompanhei todo o processo à distância e ainda havia muita mágoa, quando recebi o recado de que ele queria me ver. Recordo-me a expressão triste daqueles olhos. Inesquecível. Com uma voz já bastante fraca, ele apenas disse “desculpa”. Naquele instante percebi que ele sempre soube. Não sei expressar com palavras o que senti. Ele era o homem que eu amei. Fui incapaz de operar em nossa relação a transformação que só é possível ao amor, mas hoje sei de que ao menos tentei. Havia feito o possível para recomeçarmos. Mas ele fez sua opção. Luís morreu em 9 de fevereiro de 1995. Hoje não dói menos, apenas estou mais amadurecida.

Após dois anos de casada, por razões que só o coração conhece, me divorciei. Mas meu ex-marido continua presente em minha vida como incentivo. É alguém muito especial que tem lugar garantido em meu coração... Com ele venci muitas dificuldades... Aprendi a acreditar em mim!

Hoje continuo minha pequenina reconstrução, onde encontro muitos aliados. Sei da minha preciosa contribuição na militância da causa dos portadores do HIV/AIDS e a manutenção contínua dessa luta faz com que eu cresça a cada dia. Tudo é conquista do que melhor existe dentro de mim. Tenho aprendido a disciplinar minha mente de forma que me desapegue cada vez mais do medo da morte, da doença, da desesperança, do sofrimento e dos preconceitos próprios da condição humana.

Aprendo, a cada dia, que este exercício é uma questão de ESCOLHA e de PRÁTICA.

 
Luiz
Novembro a Dezembro 1998


Descobri-me soropositivo há 10 anos. Iniciava um novo relacionamento e resolvi fazer o teste para ficar tranqüilo. Fui atropelado pela surpresa. Com dois testes anteriores negativos, até então me julgava imune à infecção. Supunha que por ser universitário e bem informado, não corria riscos. A autoconfiança injustificada, associou-se a um relaxamento na prevenção. Foi fatal.

A descoberta foi atormentadora, como ocorre com todos os que vivem a mesma situação. Quando ligaram do laboratório pedindo que eu fosse refazer o teste, com a alegação de que no anterior tinha havido problemas com o kit, suspeitei, de cara, que o resultado seria positivo.

Da segunda coleta de sangue ao anúncio do resultado, achei que o mundo fosse acabar. Chorava, fazia promessas... Nada adiantava. No início, partilhei o segredo apenas com o primo com quem morava.
Por um período fiquei “anestesiado”, voltado para dentro de mim mesmo e da minha dor.

Rompi a relação com meu parceiro para não haver risco de infectar a pessoa com quem ainda hoje mantenho amizade. Os quatro primeiros meses foram de muita angústia, mas o tempo foi passando, e a vida seguindo... Descobri que a “sentença de morte” não se concretizava. Com o tempo voltei “à vida normal”. Não ia ficar esperando pelo fim... Mergulhei no trabalho.

Nos primeiros três anos, pensei apenas em aproveitar o presente. De repente, voltei a fazer planos. “Cada um tem seu tempo para descobrir que a vida continua”...
E hoje sinto a morte distante: “quero um futuro igual ao que planejava antes; nada de diferente”.

Desde a descoberta da infecção, pra cá, três pessoas passaram pela minha vida, mas foram amores desencontrados. Espero uma grande paixão. Mas terá de ser com alguém soropositivo como eu.

Não admito outra hipótese, tenho medo de transmitir a infecção para alguém. “A camisinha sempre pode estourar, e aí será uma viagem sem volta. Essa possibilidade me assusta”.

 
Ray
Setembro a Outubro 1998


Sempre fui uma pessoa muito saudável até meus 27 anos. Nunca precisei procurar um médico, até que em abril de 1994, tive muitas dores no corpo, febre e dores de cabeça, e resolvi procurar um posto de saúde onde fiz alguns exames e foi constatado que eu estava com hepatite.

Depois de um ano e cinco meses, outra complicação mais grave... Automaticamente relembrei o episódio passado... Procurei outro posto de saúde. Fui muito bem atendido e encaminhado ao setor de proctologia... Realizei alguns exames, entre ele o HIV. A princípio não me preocupei, afinal, “eu não tinha AIDS, pelo menos até que o exame comprovasse o contrário”.

Os dias passaram-se sem que eu percebesse. Despreocupado, retornei ao posto para saber os resultados. Dia D.... 6 de setembro de 1995. Jamais esquecerei!. A sala de espera estava lotada. Uns bem magros, aparentemente muito doentes, outros saudáveis, bonitos(as). Observando cada detalhe, eu pensava: estes com certeza não têm HIV/AIDS.

As pessoas conversavam tranqüilamente sobre diversos assuntos. Observei a enfermeira, prestativa, atendendo a todos com muita simpatia e cuidado em excesso, que chamou a minha atenção. Perdido nestes pensamentos, retornei a mim, percebendo-a bem à minha frente, e oferecendo-me um jornal, que gentilmente pediu para que eu lesse. Abri-o, e não dei importância às notícias que tratavam da questão AIDS... Entediei-me. Para quê preciso me informar sobre isso? Não é um problema meu! Não é a minha realidade! Quanta ignorância!

O médico chegou, chamou-me e olhando fixamente para mim, disse: teu exame deu reagente. - O que é isso? O senhor quer dizer que estou soropositivo? Ele não precisou responder. O silêncio em que ele mergulhou disse-me tudo. Naquele momento, conheci o Sr. Pânico de perto. Desesperadamente, eu perguntava por que eu? O que fiz, sempre fui cuidadoso! Onde errei? Sempre mantive-me informado. E meus sonhos, minha carreira de modelo? Meu corpo, como vai ficar? Minha família? Eram perguntas que infelizmente, ninguém nunca respondeu. Naquele mesmo instante, entre toda a minha dor e desespero fui encaminhado ao psicólogo de plantão. De que adiantava conversar com alguém? Eu não queria conversar.

De repente, lembrei do jornal que a enfermeira muito prestativa ofereceu-me. Corri para ele, li-o por horas as mesmas notícias. Naquele momento percebi minha necessidade de informações. Aquele jornal era A Ponte. Este trazia informações sobre um medicamento que estava sendo testado no Brasil em pacientes soropositivos, o MK639. Ainda naquele dia, o médico me encaminhou para o protocolo...

Como dizer para minha família? Foram dias difíceis, pensei que nunca iria suportar tamanha dor! Precisei de muita ajuda e descobri dentro de mim, uma força desconhecida, que desejava viver, prosseguir...

Nunca fiquei doente! Tenho caminhado, às vezes com alguma dificuldade, como todo ser humano. Hoje, minha realidade é outra. Me integrei a um grupo de ajuda-mútua; o GIV, e juntos reaprendemos a viver. Estou caminhando, fazendo a parte que cabe a mim junto à prevenção e conscientização do HIV/AIDS. Sei da importância do meu trabalho. Na prática, faço a minha parte, por isso te convido: faça a sua e juntos venceremos todas as barreiras, inclusive o preconceito!

Esta luta contínua é a VIDA!

 
Kátia
Julho a Agosto 1998


Tudo começou em setembro de 1995. Certa manhã, após um mês de internação, o doutor me acordou e avisou que eu tinha o HIV. Mas mesmo sem poder entender direito as coisas, e já afetada pela primeira oportunista, neurotoxoplasmose, não sei de que forma pairou uma nuvem de lágrimas e tantas perguntas em minha cabeça. Pensar o quê? Falar para quem? Medo? Angústia? Certeza de mais o quê? Tudo havia caído por água abaixo.Mas o pior estava por vir!!!

Sai do hospital cheia de saudades de tudo e de todos, principalmente dos meus filhos, Júnior (hoje com oito anos) e Bianca com três meses de vida. Bianca que ao nascer já havia ficado no hospital, pois nasceu contaminada. Essa maldita doença acabou com a vida da minha nenê aos seis meses de vida. Horrível!!! Horrível!!! Vou mudar de assunto. Certo? Dei a volta por cima de tudo e aprendi... Dominar-se e vencer a mim mesma. E sou uma vitoriosa. Não porque venço as pessoas, mas sim, venci a mim mesma, dominando meu jeito de ser e superando um pouco dos meus defeitos.

Aprendi que a vitória sobre mim mesma foi muito mais difícil. E quem consegue esta vitória pode ser classificada de herói(na). Aprendi a jamais desanimar. Podemos perder, a razão, um amor, um ente querido. Podemos até desanimar por alguma fraqueza. No entanto, perder nossa coragem nunca!!! Porque se algum dia nós a perdermos, perderemos tudo!!! Tenham fé em si mesmo e em Deus.

Tenham sempre confiança em suas capacidades e caminhem sem temer os obstáculos.