A História do preservativo

As infecções sexualmente transmissíveis (IST) e o aparecimento da AIDS influenciaram de maneira decisiva a sexualidade humana durante o século XX. Até então, essa era uma questão tratada com reservas e pudor pela saúde pública. O HIV forçou uma mudança sem precedentes. Dentro desse contexto, falar sobre sexo (independentemente da escolha de cada um), promiscuidade e, principalmente sexo sem proteção, virou uma obrigação dos profissionais da saúde, dos educadores e dos pais.

A prevenção da gravidez indesejada e das infecções sexualmente transmissíveis sempre fizeram parte das civilizações urbanas. A cidade trouxe consigo a necessidade de planejar o crescimento, a produção de alimentos, a disponibilidade de moradia.

O nascimento de filhos fora da união oficial sempre foi motivo de escândalo social. Tudo isso levou à criação de métodos capazes de evitar a gravidez, sem, no entanto, furtar o prazer do ato sexual.

Os chineses foram os criadores da primeira versão do preservativo: envoltórios de papel de seda untados com óleo. Os japoneses também possuíam hábito semelhante. Desde 1850 a.C. os egípcios utilizavam métodos contraceptivos. As mulheres colocavam em suas vaginas uma série de produtos para bloquear ou matar os espermatozóides. Elas utilizavam fezes de crocodilos (por possuírem pH alcalino, tal qual os espermicidas modernos), gomas e uma mistura de mel e bicarbonato de sódio. Os homens utilizavam protetores para o pênis, confeccionados em linho ou a partir de intestinos de animais. Tais protetores, porém, não possuíam função contraceptiva: funcionavam como estojos. Eles protegiam o pênis contra galhos e picadas de insetos durante as caçadas.

Protetores para o pênis no Egito Antigo. Serviam para proteger o pênis contra galhos e picadas de insetos durante as caçadas.

 

A mitologia grega apresentou o preservativo para o Ocidente. O rei Minos, filho de Zeus e Europa, era casado com Pasiphë. O monarca era conhecido por seu amor pelas mulheres e suas inúmeras amantes. Por obra de Pasiphë, Minos passou a ejacular serpentes, escorpiões e lacraias, que matavam todas aquelas que se deitassem com o soberano. Pasiphë era imune ao feitiço aplicado a Minos, mas este tornou o rei incapaz de procriar. Minos, no entanto, se apaixonou por Procris. Para evitar que a relação com Minos lhe trouxesse a morte, Procris introduziu em sua vagina uma bexiga de cabra. Os monstros ficaram aprisionados na bexiga e Minos voltou a poder ter filhos.

Procris (Piero di Cosimo, 1510). O sêmen do rei Minos, filho de Zeus, era povoado por serpentes, escorpiões e lacraias que matavam suas amantes. Procris teve a idéia de introduzir uma bexiga de cabra em sua vagina para se proteger. Nasceu o preservativo.

 

Durante o século XVI a disseminação das infecções sexualmente transmissíveis assolava a Europa. Nessa época elas eram chamadas de doenças venéreas. Esse nome faz referência às sacerdotisas dos templos de Vênus, que exerciam a prostituição como forma de culto à Deusa do Amor. Foi quando o anatomista e cirurgião Gabrielle Fallopio confeccionou o que descreveu como uma "bainha de tecido leve, sob medida, para proteção das doenças venéreas". Tratava-se de um forro de linho do tamanho do pênis e embebido em ervas. Ele a denominou De Morbo Gallico, em um artigo escrito em 1564. Shakespeare denominou-a "luva de Vênus". No final do século XVI os preservativos de linho passaram a ser embebidos em soluções químicas e depois secados. Eram as precursoras dos espermicidas modernos. No século XVII, um médico inglês conhecido como doutor Condom, alarmado com o número de filhos ilegítimos de Carlos II da Inglaterra (1630-1685), criou para o rei um protetor feito com tripa de animais.

Gabrielle Fallopio e sua invenção: a 'luva de Vênus', nas palavras de Shakespeare.

 

Em inglês, camisinha é "condom", em referência a esse médico. Outro episódio contribuiu para a difusão do preservativo. Ao final da Guerra da Sucessão Espanhola, líderes das principais nações européias reuniram-se na cidade de Utrecht (1713-1714). Tal evento chamou para o local toda a sorte de donzelas, ávidas em proporcionar diversão aos congressistas e desejosas por conseguir algum dinheiro. Mas traziam consigo algo já bem conhecido da ciência européia: infecções sexualmente transmissíveis. Um criativo artesão local teve uma idéia: costurou na forma de uma bainha anatômica um ceco de carneiro e obteve, assim, um preservativo.

Preservativos de vísceras animais (ceco, bexiga) do século XVII ao XIX.

 

O temor em relação às infecções sexualmente transmissíveis tinha uma importante justificativa: os recursos terapêuticos eram muito pouco eficientes. Infecções como a sífilis eram praticamente incuráveis. A sífilis foi a Aids da época. Indivíduos infectados caminhavam para morte, sempre rodeados por todo o tipo de preconceito. A cura para a sífilis (penicilina) foi obtida apenas na segunda metade do século XX.

A sífilis assombrou a Europa a partir do século XVI e atingiu grandes proporções ao longo dos séculos. Campanhas de prevenção foram detonadas. O tratamento medicamentoso para a doença apareceu apenas na segunda metade do século XX.
        

 

A expressão preservativo apareceu pela primeira vez nos anúncios das casas de prostituição de Paris, em 1780: "Nesta casa fabricam-se preservativos de alta segurança, bandagens e artigos de higiene." Ele foi logo substituída por uma expressão curiosa, "redingote anglaise", que queria dizer "sobretudo inglês", o que equivaleria hoje ao termo "camisa-de-vênus" ou mais intimamente falando, "camisinha".

Antigos anúncios de preservativos.

 

Em 1839 Charles Goodyear descobriu o processo de vulcanização da borracha. A vulcanização consiste na transformação da borracha crua em uma estrutura elástica resistente. Isso permitiu a confecção de preservativos de borracha. Esses eram grossos e caros. Eles eram lavados e utilizados diversas vezes, até que a borracha arrebentasse.

Preservativo de borracha e Charles Goodyear descobridor do processo de vulcanização da borracha.

 

A evolução surgiu com os preservativos de látex, a partir de 1880. Em 1901, o primeiro preservativo com reservatório para o esperma apareceu nos Estados Unidos. Os preservativos de látex adquiriram popularidade apenas a partir da década de 30. Cerca de um milhão e meio de preservativos foram comercializadas nos Estados Unidos, em 1935.

Nas décadas seguintes, o preservativo foi caindo em desuso, principalmente após a descoberta da pílula anticoncepcional, na década de sessenta. Mas o aparecimento da AIDS, na década de oitenta, mudou para sempre a mentalidade mundial: a infecção de indivíduos pelo HIV, causador da doença, dava-se por meio de contato sexual ou transfusão sanguínea. Falar abertamente sobre sexo seguro e uso injetável de drogas passou de tabu à necessidade e obrigação. O preservativo passou ser a grande arma desse esforço preventivo. E ainda hoje é!

 

O preservativo é o único capaz de reunir em um único método a prevenção da gravidez indesejada e das infecções sexualmente transmissíveis. Desse modo, permite relacionamentos sexuais seguros e minimiza o efeito da exposição a fatores de risco sofridos por um dos parceiros. O preservativo protege e respeita a escolha e os desejos sexuais de cada um. Com o advento da AIDS os preservativos voltaram a ser comercializadas em grande escala. Estima-se que hoje mais de cinco bilhões de preservativos são consumidas anualmente. As apresentações também se diversificaram. Há preservativos de tamanhos, espessuras e cores diferentes. Há preservativos aromatizados. Preservativos com textura externa para potencializar o prazer sexual na mulher. Em alguns casos de ejaculação precoce, o preservativo pode ser utilizada com sucesso para aumentar o tempo de ejaculação.