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ENTREVISTA COM LUC MONTAGNIER

12/12/2003 - BBCBrasil. Com

Alguns HIVs resistem a todos os tratamentos

Novas terapias contra a Aids precisam surgir rapidamente, com o objetivo de combater as formas mais resistentes do HIV que já circulam pelo mundo, afirma o cientista francês Luc Montagnier.
No comando do Departamento de Aids e Retrovírus do Instituto Pasteur, em Paris, Montagnier diz que os países pobres são os que mais sofrerão com a resistência do vírus causador da Aids.

Montagnier, um dos descobridores do HIV há 20 anos, acredita que é preciso que os cientistas "olhem para trás" e vejam o que estão fazendo errado na busca de uma vacina contra a Aids.

Leia abaixo a entrevista que Montagnier concedeu à BBC.

BBC - O ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, reclamou recentemente da Europa, que, segundo ele, deveria investir tanto quanto os Estados Unidos no combate à Aids. O senhor concorda com isso?

Luc Montagnier - Acho que o estabelecimento de parcerias é importante. No ano passado, foi criado o Fundo Global de Combate à Aids, uma iniciativa importante na luta contra a doença principalmente para os países em desenvolvimento. A Europa já fez muito, mas concordo que poderia fazer mais.

Uma coisa importante é como esses fundos serão usados. Não basta fornecer medicamentos para os que precisam, é preciso também estabelecer laboratórios na África e em outras partes do mundo, com o objetivo de pesquisar a Aids. Os pacientes que recebem o tratamento também necessitam de acompanhamento. Isso é muito difícil quando vários países têm recursos limitados. É preocupante.

BBC - O senhor se preocupa com o aparecimento de um HIV mais resistente, devido à falta de tratamento adeqüado?

Montagnier - Claro que sim. Já circulam pelo mundo HIVs resistentes a todas as drogas. A situação pode se agravar na África e nos países pobres. A idéia é tratar as pessoas, para estabilizar a doença. Mas também teremos que descobrir substitutos para esses tratamentos existentes, em algum momento. Encontrar uma vacina, por exemplo.

BBC – Quais são as dificuldades hoje enfrentadas para se obter uma vacina contra a Aids?

Montagnier - Temos que aprender a olhar para trás, ver o que fizemos errado. Por que conseguimos criar vacinas eficazes contra certos vírus, mas não contra o HIV? Minha opinião pessoal é que não estamos olhando na direção certa ainda. Usar proteínas do HIV para tentar criar vacinas não está se mostrando o caminho certo.

Além disso, é muito difícil implementar pesquisas clínicas para mostrar a eficácia dessas vacinas porque é necessário comparar um grupo de controle, que precisa ser exposto ao vírus, com um grupo que recebe a vacina realmente, e também é exposto ao HIV. Mas nenhum dos grupos sabe se recebeu mesmo a vacina ou um placebo. Às vezes acham que estão protegidos, mas não estão. Então, você terá infecções durante esse período e precisará tratar as pessoas. É tudo muito complicado, é difícil implementar essas vacinas.

BBC – Quais são as alternativas então?

Montagnier – Minha proposta é, se você tem uma boa vacina para testar, teste-a terapeuticamente, ajudando o tratamento já realizado com o coquetel anti-Aids. Se funcionar, daí você tenta ver se a vacina reduz a transmissão do vírus pela mucosa, que é a chave do problema – já que a Aids é transmitida sexualmente através das mucosas. Devido a todas essas dificuldades, penso que não devemos esperar pela existência de uma vacina como uma resposta final para o problema da Aids.

A solução agora é dar remédios, que podem controlar a epidemia e impedir a transmissão do HIV, reduzindo a carga viral das pessoas (com índices mais baixos do vírus no organismo, a chance de transmitir a Aids é menor), acompanhando os infectados, recomendando mudanças (caso necessárias) das estratégias de tratamento.

É preciso se criar uma estrutura de combate à Aids que ainda não existe nos países em desenvolvimento, onde as pessoas morrem não só de Aids, mas de outras doenças tratáveis como tuberculose, malária. Apesar de haver tratamentos disponíveis para essa doenças, o tratamento não chega a quem necessita.

BBC – O seu laboratório está envolvido no desenvolvimento de alguma estratégia de tratamento da Aids?

Montagnier – Não, estou no departamento de pesquisa básica. Mas vez por outra examino pacientes com Aids, para avaliar as condições deles. Não pesquisamos estratégias de tratamento, as empresas farmacêuticas vêm fazendo isso por nós e precisamos confiar nelas.

BBC – O presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, durante anos negou que o HIV era o causador da Aids. O senhor foi um dos cientistas que mais tentaram convencê-lo do contrário, embora ele tenha usado certas declarações suas para expor o ponto de vista dele. O que o senhor tem a dizer sobre a atitude de Mbeki no passado e qual foi o impacto que essa posição teve na epidemia de Aids na África?

Montagnier – Fui membro de um painel criado pelo presidente Mbeki, que incluía pessoas veementemente contra a idéia de que o HIV causava a Aids. Lógico que estava do lado dos que acreditam que o HIV é a causa da Aids. O que eu também disse foi que provavelmente outros fatores também influenciaram a explosão dos casos, como a pobreza. Mas sem o HIV a epidemia de Aids não existiria, isso é claro. E tentei convencer o presidente sul-africano disso.

Eu dei a ele o meu livro, ele disse que ia ler. Mas me parecia que ele estava inclinado a achar que o vírus não causava a Aids, o que provocou muitos problemas na África do Sul. Mas agora ele parece mais disposto a fazer alguma coisa pela doença, e acho que, mais que qualquer país da região, a África do Sul possui condições para isso.

BBC - O senhor se envolveu em uma batalha com Robert Gallo, sobre a descoberta do vírus HIV. O assunto está plenamente resolvido?(Na época do anúncio da descoberta do vírus, o governo americano anunciou que Gallo era o autor da descoberta, mas o laboratório de Montagnier também havia isolado o HIV. O tema foi alvo de uma guerra pela patente do vírus que anos depois foi dividida entre os dois).

Montagnier - Sim, claro. Hoje em dia até colaboramos um com o outro, trabalhamos juntos. Fiquei plenamente satisfeito com a solução do problema e ser hoje considerado o co-descobridor do HIV. Foi uma grande equipe que descobriu o HIV, na verdade.

BBC - Quando o senhor descobriu o HIV, há 20 anos, o senhor achava que a cura estaria mais próxima do que ela está hoje?

Montagnier - Era difícil imaginar na época, em 1983, que a epidemia faria tantos estragos. É complicado prever o futuro, mas nunca deixamos a Aids de lado, nem o meu grupo nem o de Robert Gallo. Todos ainda estão trabalhando pelo controle da doença.