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PROPOSTA IMORAL

13/05/2007 - Agência Aids

Proposta da empresa Merck antes do licenciamento compulsório

ATIVISTAS CLASSIFICAM PROPOSTA DA MERCK, APRESENTADA NA VÉSPERA DA DECRETAÇÃO DO LICENCIAMENTO COMPULSÓRIO DO EFAVIRENZ, COMO ‘IMORAL, CRIMINOSA E ANTI-ÉTICA’


Para cada grupo de 5 mil indivíduos infectados pelo HIV que passarem a utilizar o anti-retroviral Efavirenz no Brasil, a Merck Sharp & Dohme oferece 5% de desconto no preço do medicamento. Essa proposta, considerada “inaceitável do ponto de vista ético” pelo Programa Nacional de DST/Aids, teria sido apresentada, por telefone, pelo presidente da divisão latino-americana do laboratório estadunidense Tadeu Alves. De acordo com nota oficial do programa do Ministério da Saúde, a oferta teria sido apresentada no dia 3 maio, véspera da decretação do licenciamento compulsório do Efavirenz. “O Governo Federal não pode aceitar que a saúde seja tratada com a mesma lógica de um artigo comercial ou um programa de milhagem para fidelização de clientes”, esclarece texto divulgado no início da noite de sábado (12/05). Imoral, criminosa, lamentável, anti-ética e condenável. Esses foram alguns dos adjetivos usados por ativistas para criticar a proposta da Merck.

A “nota de esclarecimento” divulgada pelo Programa Nacional de DST/Aids foi em resposta a uma entrevista concedida pelo executivo da farmacêutica dos EUA. Segundo matéria da revista Veja, Tadeu Alves considerou a assinatura do decreto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “abrupta, inesperada e lamentável.” Por outro lado, o executivo concordou com a legalidade da ação. “O licenciamento compulsório é previsto pela legislação brasileira e por acordos internacionais. Faz parte do jogo usá-lo como meio de negociação”, avaliou o físico brasileiro.

“Qualquer política de empresa voltada para gerar demanda por um medicamento, é uma política condenável e anti-ética”, avalia Mário Scheffer, integrante do grupo Pela Vidda (SP). “Absolutamente condenável”, acrescenta. Ele considera errado “atrelar desconto a consumo”. Para Scheffer, a companhia farmacêutica em questão deveria pensar na “necessidade clínica dos pacientes” e não nos interesses, ainda que legítimos, “de mercado”.

“É uma política que não absorveu a realidade do Programa de Aids brasileiro”, avalia o ativista paulista. Na sua opinião, a Merck Sharp & Dohme deveria “rever suas práticas e suas políticas” adotadas no Brasil.

José Araújo, diretor da AFXB (Casa de Apoio a Crianças que vivem com HIV/Aids em São Paulo), considera a proposta da Merck, apresentada na véspera da decretação do licenciamento compulsório do Efavirenz, como “totalmente imoral”. “Imoral é muito pouco. Ela [a proposta] chega a ser criminosa”, ataca. “É uma estratégia já usada com profissionais de saúde”, explica Araújo. E “uma parte considerável [de médicos] tem aceitado isso”, acrescenta o ativista.

De acordo com José Araújo, nota-se um aumento da prescrição de determinados medicamentos, por parte dos médicos, após congressos promovidos por companhias farmacêuticas “em paraísos tropicais”. Ainda de acordo com Araújo, a proposta da Merck seguiria a mesma estratégia.

Por fim, José Araújo classifica a proposta do laboratório estadunidense como “lamentável” e ressalta apoiar “tremendamente” a postura do Programa Nacional de DST/Aids durante e após a negociação de preços do anti-retroviral Efavirenz. Na sua opinião, o órgão subordinado ao Ministério da Saúde “mostrou ser ético”.

Jorge Beloqui, membro do Comitê Nacional de Vacinas e ativista do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), mais do que o conteúdo da proposta, nota ser “muito interessante” que ela tenha sido feita no dia anterior a oficialização do licenciamento compulsório. “Eles operam dentro dessa lógica comercial, a gente tem a visão da saúde”, explica Beloqui.

“A Merck é uma empresa que trata a saúde como um comércio qualquer. Isso transparece aqui [no Brasil]”, acredita. Jorge Beloqui lembra que países desenvolvidos, ele cita o exemplo da Itália, já decretaram o licenciamento compulsório e, ao menos nesse caso, “a gente não viu essa resposta”.