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A ÃFRICA E A AIDS

24/07/2003 - O GLOBO

Ãfrica: impacto da Aids será maior

BERLIM. Um estudo divulgado ontem pelo Banco Mundial e a Universidade de Heidelberg, na Alemanha, traçou um cenário ainda mais desolador do impacto da Aids na África. A pesquisa, a mais detalhada e também a mais pessimista já realizada, disse que alguns países africanos sofrerão um completo colapso de suas economias se medidas urgentes contra a expansão da epidemia não forem tomadas.
A África é o continente mais afetado pela Aids no mundo, com dois terços dos cerca de 40 milhões de casos.

Sul-africanos podem ter renda reduzida à metade

A África do Sul foi o país analisado em maior detalhe. Com cerca de 10% da população infectada, é uma das nações mais atingidas pelo HIV no mundo. A despeito disso, o governo sul-africano é o único no mundo que se mostra contrário aos programas de distribuição de medicamentos anti-retrovirais para gestantes contaminadas (as drogas reduzem significativamente o risco de transmissão para o bebê) e para pessoas doentes.
Segundo o estudo, falhas na prevenção da doença agora reduzirão à metade a renda das três próximas gerações de sul-africanos. Por volta de 2080, o trabalho de crianças em jornada integral será a regra e uma geração depois o país terá regredido à completa miséria.
Alan Whiteside, diretor de da Divisão de Pesquisa de Aids na Universidade de Natal, na África do Sul, disse que o impacto econômico da doença dependerá também da reação da sociedade à epidemia. As sociedades que souberem enfrentar melhor o problema terão mais chances de se recuperar, afirmou ele.
— A epidemia deflagrou uma situação darwiniana que transformará muitas sociedades — observou.
Os cientistas explicaram que as pesquisas anteriores indicaram um impacto menor sobre a economia dos países africanos porque consideraram que a redução da força de trabalho em função da Aids levaria progressivamente a ganhos maiores para os sobreviventes e, além disso, diminuiria a pressão sobre áreas hoje superpovoadas. Esses fatores ajudariam a limitar a médio e longo prazoso impacto das perdas causadas pela doença.
A nova pesquisa difere das anteriores porque fez projeções com foco no chamado capital humano — um conceito que inclui fatores ligados ao potencial de crescimento de um país, como experiência acumulada pela mão-de-obra, especialização e nível educacional dos trabalhadores. Para um dos autores do estudo, Hans Gersbach, de Heidelberg, o efeito mais terrível da Aids é o potencial para matar adultos jovens.
— Ao fazer isso, a Aids impede a transferência de capital humano de uma geração para outra. Não há desenvolvimento. Além disso, quanto mais adultos forem tirados da cadeia produtiva, mais crianças deixarão a escola, empurradas para o trabalho — salientou Gersbach.
Hoje, já há milhões de órfãos da Aids na África. Suas vidas têm repetido sem cessar um ciclo de tragédias. Pais que estão morrendo de Aids não conseguem mais educar os filhos. Estes muitas vezes já nascem contaminados, crescem em famílias destroçadas e nunca chegam à escola.

Cientistas dizem que África sofrerá erosão intelectual

O estudo destaca que o resultado da combinação da perda dos adultos jovens com a evasão escolar das crianças será a erosão da capacidade intelectual dos países mais afetados pelo HIV. A pesquisa apresenta um cenário em que as nações da África Subsaariana (a região do mundo mais atingida pela epidemia) verão suas economias inteiramente dependentes da força de trabalho infantil.
Cientistas dizem que há sinais de que a erosão intelectual já ocorre. Em países da África Subsaariana faltam professores, pois muitos estão morrendo de Aids. Além disso, sistemas de telefonia entraram em crise, já que a doença tirou do mercado a maioria dos técnicos especializados.