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CAMISINHA X IGREJA, UMA VISÃO EXTERNA

11/12/2003 - EL PAIS

Governo Lula enfrenta bispos pela Aids

O programa de tratamento da Aids provocou o primeiro confronto político do governo brasileiro com a hierarquia eclesiástica desse país, a qual até agora vinha apoiando o Executivo de Lula, sobretudo em suas conquistas sociais. O Ministério da Saúde, através do Programa Nacional da Aids, enviou uma carta de apoio às ONGs que criticaram num vídeo a postura conservadora dos bispos que seguem a tese do Vaticano de que preservativos não protegem contra a doença.

Essa carta afirma: "A Igreja se equivoca ao insistir que o preservativo não protege e assim pode estar cometendo um crime a mais contra a Humanidade". Curiosamente a Conferência Episcopal do Brasil fora anteriormente uma das mais abertas nos temas de ética sexual e sobre o problema da Aids. Alguns cardeais chegaram inclusive a defender o uso do preservativo afirmando que "a vida vale mais do que as leis". Mas o Vaticano os pressionou e eles foram obrigados a retificar sua posição.

Desta vez a hierarquia eclesiástica adotou a tese do Vaticano de que o preservativo não protege contra a síndrome, ao mesmo tempo que, semanas atrás, a arquidiocese do Rio de Janeiro recorreu a juízes para que proibissem a exibição de um vídeo criado por algumas ONGs para o Dia Mundial Contra a Aids intitulado 'Pecado é não usá-lo', em referência à doutrina da Igreja de que é pecado usar preservativos, mesmo para prevenir a doença. O vídeo já havia sido veiculado no Fantástico, programa de grande audiência da Rede Globo, mas acabou sendo retirado de circulação pela autoridade judicial.

O governo reagiu com firmeza dando seu total apoio e solidariedade às ONGs que produziram o vídeo. A carta enviada pelo Programa Nacional da Aids afirma: "Estamos num país democrático que a própria Igreja ajudou a construir, com a coragem de religiosos como Paulo Evaristo Arns e numerosos bispos. Temos uma Constituição que defende as liberdades fundamentais como direito inalienável. Entre elas figura a da livre manifestação de pensamento e de liberdade religiosa". A carta agradece à Igreja a ajuda que ela mesma deu no início da epidemia, "acolhendo e amparando os órfãos da Aids", chegando até a criar "a pastoral da Aids".

Em seguida, o texto declara: "Todavia, a Igreja se equivoca quando, para defender seu ponto de vista teológico, lança dúvidas sobre verdades científicas já consolidadas pondo em risco a vida de pessoas que, por obediência religiosa, acabam se descuidando. E quando lidamos com vidas humanas não temos o direito de nos equivocar".

A carta assevera também: "O Estado tem o direito de defender a saúde física dos cidadãos, ao passo que o papel da religião é melhorar a saúde espiritual do planeta".

EL PAÍS conversou com os responsáveis pelo Programa Nacional da AIDS do Ministério da Saúde que confirmaram que com essa carta "o governo desejou dar seu completo apoio às ONGs que haviam feito o vídeo de crítica à Igreja", já que consideram que o fato de os bispos terem feito todo o possível para proibir sua divulgação "é um atentado contra o direito de liberdade de expressão".

A carta, que a princípio não havia sido divulgada na imprensa, apareceu terça-feira na página do site do Programa Nacional da Aids(www.aids.gov.br) sob o título "Carta aberta".

A preocupação do governo cresceu com o recrudescimento da postura dos bispos, já que no Brasil, onde a Aids havia diminuído cerca de 50% graças às campanhas de prevenção e aos medicamentos concedidos gratuitamente pelo governo aos contaminados, de repente passou a haver um crescimento de casos, sobretudo envolvendo jovens, vítimas da doença.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves