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A AIDS NO SUL DO BRASIL

08/12/2003 - O GLOBO

Sul do Brasil apresenta epidemia distinta de Aids

O número de novos casos de Aids aumenta mais rapidamente na Região Sul do Brasil, onde a epidemia está assumindo um perfil diverso do verificado no restante do país e já preocupa cientistas. Um percentual alto de usuários de drogas injetáveis e a predominância do subtipo C do vírus - comum na África do Sul e na Ásia, mas raro no Brasil - tornam a epidemia do sul atípica.

O Programa das Nações Unidas para a Aids (Pnaids) chamou a atenção para um possível problema no sul do Brasil em seu último relatório sobre a epidemia, há duas semanas.

Depois de elogiar o programa brasileiro de combate à Aids, o documento ressalva: "O Brasil, entretanto, não deve deitar-se nos louros. Prevalências de HIV variando de 3% a 6% foram registradas no Rio Grande do Sul entre mulheres (grávidas) que raramente têm acesso aos serviços públicos de saúde. Isso gera temores de que uma epidemia séria, porém não detectada, esteja se espalhando em algumas comunidades desassistidas".

- O sul é a região em que a incidência (número de novos casos) é mais alta - confirma o coordenador do Programa Nacional de Combate à Aids, Alexandre Grangeiro.

Números do Ministério da Saúde mostram que, em 2001, o número de novos casos por cem mil habitantes no sul era de 20,9, o mais alto do país. Os números referentes a 2002 mostram que a incidência na região, embora menor, ainda era a mais alta, 16,3. Os especialistas, entretanto, trabalham com um quadro de incidência alta e estável, não de queda, por conta de atrasos nas notificações.

- Além disso, em geral, a mortalidade caiu muito depois da introdução do coquetel - aponta o infectologista da Fiocruz Francisco Inácio Bastos. - Mas no sul a mortalidade caiu bem menos.

Na análise dos cientistas, o perfil epidemiológico diferenciado registrado no sul está relacionado ao fato de a região ter um número alto de usuários de drogas injetáveis.

- A droga (injetável) é mais eficiente para a transmissão do vírus do que a relação sexual - aponta Grangeiro, lembrando que, nesse caso, o vírus entra diretamente na corrente sanguínea. - Em todos os lugares onde entra a droga o crescimento dos casos é mais acelerado e a epidemia é mais explosiva.

Percentual de contaminação entre grávidas é mais alto

O número de casos de contaminação por HIV relacionados ao uso de drogas injetáveis no Rio de Janeiro não passa de 7%. Em algumas cidades do sul do país, entretanto, esse percentual chega a 50%. - Diversos estudos estão mostrando que a participação dos usuários de drogas é distinta na Região Sul - afirmou a epidemiologista Waleska Teixeira Caiaffa, da Universidade Federal de Minas Gerais, uma das autoras de um estudo sobre o tema. - O vírus transita não só entre os usuários (em sua maioria do sexo masculino), mas também entre suas parceiras. Com isso, a epidemia no sul ganha dimensões diferentes.

Os altos percentuais de HIV detectados entre grávidas no Rio Grande do Sul, citados no relatório do Pnaids, foram retirados de um estudo da Fiocruz feito com seis mil mulheres grávidas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.

Foram testadas mulheres que apareceram no hospital apenas para dar à luz, que não haviam feito o pré-natal (quando, normalmente, são testadas para HIV). O objetivo era justamente averiguar se muitos casos estariam escapando às estatísticas. Os resultados mostraram que, enquanto no Rio o percentual de casos diagnosticados foi de 1,3%, em Porto Alegre esse número chegou a 6,5%.

Mas o maior mistério em torno da epidemia do sul do país está relacionado ao crescente predomínio do subtipo C do HIV. O problema é que em todo o Brasil, bem como nos países fronteiriços ao sul, predomina o subtipo B do vírus. A origem do subtipo C no sul intriga os especialistas.

Subtipo C está se disseminando pelo mundo

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) esse é o subtipo que mais vem se disseminando no mundo. Alguns estudos apontam que esse predomínio poderia estar relacionado ao fato de se tratar de um subtipo mais facilmente transmissível.

- Em nosso estudo, entretanto, a maior transmissibilidade não foi comprovada - aponta a bióloga Mariza Gonçalves Morgado, chefe do laboratório de Aids da Fiocruz, uma das coordenadoras do estudo com as grávidas. - A taxa de transmissão de mãe para filho foi a mesma no Rio e em Porto Alegre.