Indetectável = Intransmissível?

Conferência do Reino Unido discute a Declaração Suíça sobre infecciosidade das pessoas em tratamento para o HIV.

Michael Carter, 15 de outubro de 2008, aidsmap

Houve amplo consenso na Conferência da Associação Britânica para o HIV de que o tratamento para HIV eficaz reduz significativamente o risco de transmissão do HIV. Mas ninguém  – mesmo um dos autores do que tem sido chamado de Declaração Suíça  – estava preparado para dizer que as transmissões do HIV nunca ocorrem quando um indivíduo tem carga viral indetectável.

Em janeiro deste ano, especialistas importantes em HIV suíços divulgaram uma declaração dizendo que os indivíduos com HIV que estavam tomando terapia antiretroviral com uma carga viral indetectável em seu sangue e sem ITS (Infecções de transmissão sexual) não podiam passar o HIV para seu parceiro sexual. O que rapidamente foi conhecido como a “Declaração Suíça” e que tem sido calorosamente debatido desde então, sendo um dos temas mais importantes da Conferência de AIDS do México, neste ano.

Emergiu rapidamente um consenso de que o tratamento para o HIV que suprime a carga viral no sangue a níveis indetectáveis reduz significativamente o risco de transmissão do  HIV durante o sexo desprotegido. Uma voz em dissenso foi explicitada por alguns especialistas australianos para o HIV que desenvolveram um modelo [matemático]. Este supunha que não havia um limite inferior de carga viral, embaixo do qual a transmissão do HIV não ocorresse. Mas um editorial que acompanha este trabalho rejeitou esta metodologia, e os autores escreveram que negar o impacto do tratamento para o HIV sobre o risco de transmissão é “desonesto e fútil”.

O encontro da Associação Britânica para o HIV forneceu uma oportunidade para que os médicos ingleses, trabalhadores de saúde e ativistas comunitários discutissem a ciência da “Declaração Suíça” e seu impacto entre as pessoas vivendo com o vírus HIV.  

'Indetectável = não infeccioso'
Não foi apresentada informação científica nova que não tenha sido discutida extensamente em relação com o debate 'indetectável = não infeccioso'. O Prof. Bernard Hirschel do  Hospital Universitário de Genebra discutiu brevemente os estudos mostrando que os pacientes com carga viral indetectável não estavam transmitindo o HIV.

Ele também apresentou um slide resumindo um estudo realizado em Ruanda que mostrou que o tratamento para o HIV era muito mais eficaz do que a promoção de preservativos para a prevenção da  transmissão do HIV. Este estudo, apresentado na Conferência  Internacional de AIDS em 2006 (Kayitenkore K et al. XIVth International AIDS Conference Toronto 2006, abstract no. MOKC101), mostrou que houve somente duas transmissões de HIV em 248 casais sorodiscordantes quando o parceiro HIV-positivo estava recebendo terapia para o HIV  (uma taxa de transmissão inferior a 1%) comparados com 40 transmissões (uma taxa de transmissão superior a  5%) em casais sorodiscordantes quando o parceiro HIV-positivo não recebia tratamento para o HIV e que teve acesso a preservativos. Ele expressou na Conferência que os dados pareceram mostrar que o tratamento eficaz para o HIV era mais eficiente do que os preservativos para a prevenção da transmissão do HIV.

Apoiando o argumento 'indetectável = não infeccioso', o Prof. Hirschel também resumiu estudos mostrando que a redução do risco de transmissão do HIV da mãe para a criança quando a mãe está tomando tratamento para o HIV e tem uma carga viral indetectável ou com carga viral muito baixa.

Não obstante o Prof. Hirschel concedeu de que em medicina você “nunca deve dizer nunca” e também que a informação atual era restrita a casais heterossexuais.

A replicação do HIV em compartimentos sexuais
 
O Dr. Steve Taylor da Universidade de Birmingham apresentou informação de um número de estudos que observaram a replicação do HIV no trato genital de homens e mulheres que estão tomando tratamento para HIV.

Um padrão consistente emergiu destes estudos. Os homens com carga viral indetectável sempre tinham carga viral de HIV no seu sêmen (apesar de que a carga viral pudesse se tornar detectável no sêmen se uma ITS estiver presente).

Porém em mulheres os estudos revelaram uma situação mais complexa. Até 30% das mulheres continuavam a ter o HIV nos seus genitais apesar de ter carga viral indetectável no seu sangue.

O Dr. Taylor sugeriu que a replicação localizada do HIV no compartimento genital durante a terapia para HIV pode, em algumas circunstâncias, levar ao desenvolvimento e transmissão potenciais de vírus resistente às medicações.

O Dr. Taylor também notou que havia informação muito limitada sobre o efeito do tratamento para o HIV na carga viral na mucosa retal. O único estudo que explorou isto, encontrou que o HIV ainda estava detectável neste compartimento na presença efetiva de tratamento para o HIV.

A resposta comunitária  – homens gays

Edwin Bernard, editor do Treatment Update para HIV do NAM (National AIDS Manual) (que publicou três artigos importantes nos anos recentes, sobre o tema do impacto do tratamento sobre a infecciosidade) esboçou uma resposta comunitária (sobre tudo de homens gays) sobre a `Declaração Suíça`.

Ele relacionou esta resposta ao clássico “processo de sofrimento” com indivíduos tentando negar a Declaração, reagindo com raiva, barganhando, se tornando deprimido sobre suas  implicações, ou aceitando-a.

Ele observou que para os gays, a Declaração ressoa mais fortemente para homens que têm uma relação problemática com os preservativos, essencialmente porque eles percebem que o sexo sem preservativos fornece maior intimidade.

Ele também disse que a relação do indivíduo com o risco e a percepção do risco também são fundamentais na sua interpretação da Declaração. Se o tratamento de sucesso mudar a definição do 'sexo mais seguro', então decidir quão realmente seguro é o 'sexo mais seguro' torna-se uma decisão muito pessoal, individualizada.

Os médicos clínicos, como as pessoas vivendo com HIV e seus parceiros sexuais, requer maiores habilidades para entender e avaliar os riscos do sexo comparados com outros riscos na vida, concluiu.

A resposta comunitária – mulheres

Silvia Petretti de Positively Women apresentou os resultados da consulta realizada com mulheres HIV-positivas sobre a Declaração Suíça. Isto revelou um espectro de respostas com mulheres observando tanto os prós como os contras.

Elas perceberam como razões em contrário um escurecimento das mensagens de sexo mais seguro, e algumas mulheres também notaram que podia tornar a negociação do sexo mais seguro mais difícil. Também foram levantadas preocupações sobre as implicações da herpes genital crônica. Também foi sugerido que a Declaração podia significar que a saúde sexual é percebida somente em termos do risco de transmissão do HIV e houve perguntas sobre suas implicações para UDIs.

Mas as mulheres consultadas por Silvia Petretti também viram benefícios na `Declaração Suíça`. Algumas mulheres disseram que a Declaração apoiava o que elas já estavam fazendo, e foi sugerido que uma implicação podia ser que a concepção tornar-se-ia mais simples. Outros benefícios incluíram o incentivo a manter boa adesão.

O estigma também podia ser reduzido pela Declaração se as pessoas com HIV em  tratamento não mais forem percebidas como “vetores” da doença.

Ela notou, porém, que muitas das mulheres consultadas não tinham conhecimento da Declaração e contrastaram isto com o amplo conhecimento sobre os estudos que sugerem que a circuncisão pode reduzir o risco dos homens para o HIV. Note-se que o efeito protetor da circuncisão nestes estudos é no máximo de 60%, muito inferiores ao efeito protetor do tratamento.

Respostas mais amplas no Reino Unido

Houve somente uma hora disponível para esta sessão e pouco tempo para discussões detalhadas das apresentações ou perguntas da platéia.

Porém o Prof. Hirschel notou que um número pequeno de infecções provavelmente ocorreu de indivíduos com carga viral indetectável tinham significado desprezível para a saúde pública comparados com o número maior de infecções originárias de indivíduos não diagnosticados, um comentário que foi recebido com aplausos.