Indetectável = Intransmissível?

Perguntas e Respostas

O Estudo HPTN 052: Prevenção da Transmissão Sexual do HIV com medicamentos anti-HIV

Traduzido por Jorge A Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)

1. O que é o estudo HPTN 052?

O estudo HPTN 052 é um ensaio clínico randomizado de Fase III. O objetivo principal é avaliar se os antirretrovirais, medicamentos que são atualmente licenciados para tratar a infecção pelo HIV, podem prevenir a transmissão sexual do HIV entre casais em que um dos parceiros está infectado pelo HIV e os outros não é (casais sorodiscordantes). Além disso, o estudo foi desenhado para avaliar o tempo ideal para iniciar a terapia anti-retroviral, a fim de reduzir as doenças e morte entre pessoas infectadas com HIV/AIDS.

2. Quem financiou e conduziu o estudo HPTN 052 e quando começou?

O estudo foi patrocinado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), parte do National Institutes of Health (NIH). O investigador principal foi o Dr. Myron Cohen, MD, diretor do Instituto para a Saúde Global e Doenças Infecciosas da Universidade de Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA). O estudo foi realizado pela Rede de Ensaios de Prevenção do HIV (HPTN), que é em grande parte financiada pelo NIAID com um financiamento suplementar do Instituto Nacional de Abuso de Drogas e do Instituto Nacional de Saúde Mental, ambos parte do NIH. Houve apoio adicional do Grupo de Ensaios Clínicos de AIDS (ACTG) também financiado pelo NIAID.
O estudo começou em abril de 2005. O recrutamento terminou em maio de 2010.

3. Quantos participantes foram envol vidos no estudo, e onde foi realizado?

Um total de 1.763 casais sorodiscordantes participaram do estudo. Cada participante tinha pelo menos 18 anos de idade (idade mediana de 33). A grande maioria dos casais (97 por cento) eram heterossexuais. No momento da inscrição, os parceiros infectados pelo HIV (890 homens, 873 mulheres) apresentaram contagem de células T CD4 + - uma medida chave da saúde do sistema imunológico - entre 350 e 550 células por milímetro cúbico (mm3) dentro de 60 dias de entrar no estudo. A contagem de CD4 mediana no início do estudo foi de 436 células/mm3. Os parceiros não infectados pelo HIV apresentaram resultados negativos para o vírus dentro de 14 dias da entrada no estudo.
O estudo foi realizado em 13 locais de África do Sul, Botsuana, Brasil, Estados Unidos, Índia, Malawi, Quénia, Tailândia, e Zimbábue.

4. Qual foi o desenho do estudo?

Os casais participantes foram aleatoriamente design ados para um dos dois braços de tratamento. No primeiro grupo, os parceiros infectados pelo HIV começavam imediatamente a tomar uma combinação de três medicamentos antirretrovirais.

No segundo grupo, chamado de grupo de tratamento diferido, os parceiros infectados pelo HIV só iniciavam o tratamento quando a contagem de células CD4 caia abaixo de 250 células/mm3, ou desenvolvessem uma doença relacionada à Aids como definido nas Diretrizes da Organização Mundial de Saúde para tratamento do HIV. Todos os participantes dos dois grupos receberam aconselhamento sobre práticas de sexo seguro, preservativos, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, testes de HIV freqüentes e avaliação e tratamento de eventuais complicações relacionadas à infecção pelo HIV.

5. Quais antirretrovirais foram utilizados no estudo?

Os participantes receberam uma combinação de três ou quatro medicamentos, utilizando os seguinte s 11 antirretrovirais:

• Atazanavir (300 mg uma vez por dia);
• Didanosina (400 mg uma vez por dia);
• Efavirenz (600 mg uma vez por dia);
• A combinação de emtricitabina / tenofovir disoproxil fumarato (200 mg emtricitabina/300 tenofovir disoproxil mg uma vez por dia);
• Lamivudina (300 mg uma vez por dia);
• Lopinavir / ritonavir 800/200 mg de lopinavir / ritonavir por dia (QD) ou 400/100 mg duas vezes ao dia (BID);
• Nevirapina (200 mg uma vez ao dia durante 14 dias seguidos de 200 mg duas vezes ao dia);
• Ritonavir (100 mg uma vez por dia, usada somente para reforçar o atazanavir);
• Estavudina (dose peso-dependente);
• Tenofovir disoproxil fumarato (300 mg uma vez por dia);
• A combinação zidovudina / lamivudina (150 mg zidovudina lamivudina/300 mg administrado duas vezes por dia) chamada biovir no Brasil.

As drogas estudadas foram doadas pelos Laboratório Abbott, Boehringer Ingelheim Pharmaceu ticals, Inc., Bristol-Myers Squibb, Gilead Sciences, GlaxoSmithKline e Merck & Co., Inc.

6. O que é o DSMB e como ele monitora o estudo?

O comitê de monitorização de dados e segurança (DSMB) é uma comissão independente composta por especialistas clínicos, estatísticos, especialistas em ética, e representantes da comunidade que realiza um controle mais rigoroso de um estudo clínico. O DSMB revisa regularmente os dados enquanto um estudo clínico está em andamento, para garantir a segurança dos participantes e que qualquer benefício apresentado no estudo seja rapidamente disponibilizado a todos os participantes. Um DSMB pode recomendar que um ensaio clínico, ou parte de um ensaio, seja interrompido ou alterado se houver preocupações de segurança ou se os objetivos do estudo foram alcançados ou não são susceptíveis de ser atingidos. Um DSMB examina análises que não estão disponívei s para os investigadores. Restringir certas informações ao DSMB, enquanto o ensaio está em curso ajuda a manter a integridade do estudo.

O DSMB do estudo HPTN 052 reuniu-se em intervalos regulares durante todo o curso do ensaio para analisar os dados do estudo. Em 28 de abril de 2011, o DSMB reuniu-se para uma revisão intermediária prevista de segurança do estudo e os dados de eficácia.

7. Quais foram as conclusões do DSMB relacionadas com a transmissão do HIV?

O DSMB encontrou um total de 39 casos de infecção pelo HIV entre os parceiros não infectados anteriormente. Destes, 28 estavam ligados por meio de testes genéticos do HIV com o parceiro infectado pelo HIV como a fonte de infecção. Sete infecções não estavam relacionadas com o parceiro infectado pelo HIV, infecções e quatro ainda estão em fase de análise.

Dos 28 casos de infecção pelo HIV vinculada,27 infecções oco rreram entre os 877 casais em que o parceiro infectado pelo HIV estava no grupo de tratamento antirretroviral diferido. Apenas um caso de infecção pelo HIV ocorreu entre os 886 casais em que o parceiro infectado pelo HIV iniciou a terapia antirretroviral imediatamente. Em outras palavras, isso significa que o início mais precoce do tratamento com antirrerovirais levou a uma redução de 96 por cento na transmissão do HIV para o parceiro não infectado pelo HIV. Este resultado foi estatisticamente significativo (P ≤ 0,0001).
Com base nesta constatação, o DSMB recomendou que os participantes do estudo fossem notificados dos resultados.

8. Quais foram as conclusões do DSMB relacionados com os benefícios potenciais associados com o uso mais precoce de antirretrovirais?

Foram 105 eventos de morbidade e mortalidade. Houve um total de 65 eventos no braço do tratamento diferido e 40 no braço de tratamento imediato. O DSMB encontrou 17 cas os de tuberculose extrapulmonar entre os participantes infectados pelo HIV no grupo de tratamento diferido em comparação com três casos no grupo de tratamento imediato. Este foi um achado estatisticamente significativo (P = 0,0013). Houve 23 óbitos durante o estudo: 10 no grupo de tratamento imediato e 13 no grupo de tratamento diferido, uma diferença que não alcançou significância estatística.

Em geral, houve uma tendência de benefício para os participantes infectados pelo HIV que iniciaram o tratamento antirretroviral imediatamente, mas não alcançou a diferença de 20 por cento entre os braços do estudo requerida para obter significância estatística.

9. O que significam esses resultados para os participantes do estudo?

Os participantes do estudo estão sendo informados dos resultados. A terapia antirretroviral será oferecida a todos os participantes infectados pelo HIV que concordem, no braço do tratamento diferido. Os investig adores do estudo continuarão acompanhando os participantes do estudo, pelo menos durante um ano.

Os indivíduos que foram infectados pelo HIV durante o curso do estudo foram encaminhados para os serviços locais de assistência médica e tratamento adequados.

10. Um dos braços do estudo HPT 052 envolveu o atraso do tratamento antirretroviral até que as contagens de CD4 ficassem abaixo de 250 células por milímetro cúbico. No entanto, em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reviu suas diretrizes de tratamento antirretroviral em indivíduos infectados pelo HIV recomendando o início com CD4 inferior a 350 células/mm³. Seria antiético continuar o braço do estudo com base na revisão da OMS?

Quando o estudo começou o recrutamento em abril de 2005, o protocolo e as orientações dos países participantes eram consistentes com as orientações da OMS para tratamento (Novembro de 2003), que recomendou que qualquer pessoa com in fecção pelo HIV clínica avançada ou aqueles com contagem de CD4 + inferior a 200 células/mm³ deviam começar o tratamento com antirretrovirais (TAR). No entanto, as orientações da OMS foram revistas ao longo do tempo, recomendando a primeira vez que a TAR fosse considerada entre 200 e 350 células/mm³ e iniciadas antes de 200 células/mm³ (janeiro 2006) e, em seguida para iniciar a TAR em todos os pacientes com uma contagem de células CD4 inferior a 350 células/mm³, independentemente de sintomas clínicos (Novembro 2009). Em resposta à primeira revisão, a maioria dos países adotaram rapidamente as novas orientações, e a equipe do estudo resolveu mudar o protocolo de tal forma que os critérios para iniciar os antirretrovirais no braço do tratamento diferido passou de menos de 200 células/mm³ para entre 200 e 250 células/mm³ e levantou os critérios de entrada para a contagem de células CD4 300-500 células/mm³ de 350-550 células/mm³ para manter a integridade do desenho do estudo. No entanto, a segunda revisão não foi prontamente adotada por todos os países participantes no estudo, principalmente devido à falta de oferta de medicamentos.

A equipe do estudo, o NIAID, e o DSMB consideraram cuidadosamente os mesmos dados que levaram à segunda revisão das orientações da OMS. O DSMB concluiu que nenhuma mudança no estudo era necessária com base em dados existentes do HPTN052 e levando em consideração a segurança dos participantes. No entanto, a equipe do estudo e NIAID determinaram que todos os participantes deviam ser notificados da mudança de diretrizes da OMS e as alterações correspondentes nas diretrizes do país e lembrar que eles eram livres para sair do estudo a qualquer momento ou para iniciar os antirretrovirais fora do estudo, de acordo com o padrão local de cuidados. Esta ação foi aprovada por todos os comitês de ética que supervisam o estudo.

11. Que outras pesquisas relevantes está conduzindo o NIAID?

NIAID lançou um ensaio clínico de Fase IV em março de 2011 visando examinar o momento ideal de início da TAR em portadores assintomáticos infectados pelo HIV. O estudo, conhecido como Momento Estratégico da Terapia Anti-Retroviral (START), recrutará 4.000 homens e mulheres infectados pelo HIV em 30 países. O estudo START procura determinar se é melhor para os indivíduos infectados pelo HIV iniciar a TAR quando a contagem de células CD4 estiver em cima de 500 células/mm³ comparado com esperar até que as contagens de células CD4 fiquem inferiores a 350 células/mm³.

12. Qual é o estado actual da epidemia do HIV/AIDS?

HIV/AIDS continua a ser um importante problema de saúde pública mundial. No mundo todo, 2,6 milhão de pessoas foram infectadas com o HIV, só em 2009, e 1,8 milhões de pessoas morreram de doenças re lacionadas à AIDS, elevando o número total de mortes por Aids para cerca de 30 milhões desde o início da pandemia. Nos Estados Unidos, mais de 56.000 pessoas são infectadas com o HIV a cada ano.